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À la Recherche … da nossa identidade

À la Recherche … da nossa identidade

O conceito de identidade é complexo e difuso. Para muitos de nós, a nossa identidade é-nos revelada como algo que se inventa e se constrói, mais do que se descobre. Fazer a pergunta “quem sou?” só faz algum sentido se sentirmos que tivemos e continuamos a ter alguma possibilidade de escolha. Dir-me-ão que estas escolhas são influenciadas pela nossa herança biológica, social e cultural, mas as sociedades em que vivemos não funcionariam se conceitos como a autonomia, o livre arbítrio e a consequente responsabilização pelo que somos não fossem globalmente aceites.

Opinião de:

À la Recherche … da nossa identidade

No entanto, o tema da identidade passou a ter, na actualidade, uma relevância que não teve sempre num passado relativamente recente. A maioria dos nossos avós, e até pais, sabiam qual a sua nacionalidade, a classe social a que pertenciam, a profissão que exerciam e a religião que praticavam. Os meus avós paternos eram portugueses, classe média, católicos, avô em profissão liberal e avó em casa e os maternos eram alemães, muito semelhantes, só que protestantes. E suspeito que raramente questionaram esta sua “identidade”. Obviamente que esta situação não se aplica aos milhões de seres humanos que foram perseguidos, deslocados fisicamente e humilhados pelas mais variadas razões (quase todas económicas, mesmo que frequentemente disfarçadas como sendo religiosas, ideológicas ou outras). Para muitos destes e dos seus descendentes o tema da “identidade” certamente que acompanhou as suas experiências de vida e reafirmou-se vigorosamente na primeira oportunidade.

No mundo ocidental, a minha geração (nascidos no pós II guerra mundial) e as seguintes viveram momentos importantes de afirmação de liberdade e autonomia. Acompanhamos os múltiplos movimentos de libertação de povos, de luta contra as ditaduras, contra a descriminação racial, sexual e de género, contra o paternalismo e tantas outras formas de descriminação social, económica e religiosa. E participamos na formação de movimentos interventivos que lutaram e continuam a lutar pelo reconhecimento das suas causas identitárias.

Mas hoje, apesar dos inúmeros ganhos obtidos em muitas destas causas, temos a sensação de que a percentagem daqueles que têm uma real liberdade de escolher a sua “identidade” tem vindo a diminuir. Num mundo cada vez mais competitivo, em que a confiança nas instituições tem vindo a enfraquecer e a segurança económica está cada vez mais frágil, a maioria dos cidadãos sente que os ganhos conseguidos são reservados a uma minoria de privilegiados. Aqueles que podem escolher o país onde querem viver, a profissão que querem exercer, as reconfigurações familiares que entendem ser úteis, os impostos que conseguem evitar e o acesso à educação, saúde e justiça que conseguem “comprar”, fazem parte duma classe social cada vez mais alta e rarefeita.

E muito mais frágil será a situação daqueles que estão nos degraus mais baixos da nossa hierarquia social: os sem abrigo, os toxicodependentes, os que abandonam o sistema escolar, as mães com apoio social reduzido, e … os refugiados. Estes últimos a viverem em campos de refugiados, espaços esses definidos como distintos do espaço onde as pessoas “normais” ou “completas” vivem por essa Europa fora.

Afinal a liberdade conquistada por tantos só permite construir a “identidade” de poucos.

Às vezes julgo ver nos meus olhos / A promessa de outros seres / Que eu podia ter sido, / Se a vida tivesse sido outra.
Em  “Às vezes” de Sophia de Mello Breyner Andersen

… é que todos nós passamos a vida a viver ao lado das pessoas que podíamos ter sido.
Em “Anagramas de Varsóvia” de Richard Zimler