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A primeira viagem

A primeira viagem

A pergunta que me fizeram, por várias vezes, esta semana, teve sempre, como elemento, a razão da viagem de António Costa a Cabo Verde.

Opinião de:

A primeira viagem

Houve tempos em que se assinalava o início de um mandato com uma deferência a Brasília. Depois, com o crescente peso da União Europeia na nossa vida, as primeiras saídas dos chefes de governo aconteciam às principais capitais europeias. Ainda faria sentido que assim fosse, mesmo no atual quadro em que estamos, mesmo na circunstância de assumirmos um governo que se suporta numa componente parlamentar desconfiada do quadro comunitário em que habitamos.

Acontece que Costa, fazendo como habitualmente, não cumpriu as regras. A sua viagem a Cabo Verde assume um simbolismo que só quem o conhece bem inventaria.

Costa assumiu nela três linhas de política bem concretas. A primeira, a língua; a segunda, o espaço atlântico; a terceira a integração.

Cabo Verde é o país que mais diz a Costa. O atual Presidente da República atravessou-se na mesma faculdade e no mesmo tempo com Costa, o atual primeiro-ministro é amigo há décadas e uma parte significativa do governo tem em Costa uma referência. Mas é a língua, numa visão que vai de Lisboa a Goa, que mais mobiliza o nosso primeiro-ministro, porque assume uma comensuração de séculos, porque estrutura uma política económica mais sustentada.

Cabo Verde é, ainda, um país de sucesso na consagração de uma política de desenvolvimento assente numa democracia pluralista. Por isso, importa que Portugal possa dar releva ao facto, possa ajudar a desenvolver a lusofonia dos direitos e das liberdades. Mas é também por Cabo Verde que pode passar uma parte da nossa política de emigração e refugiados, politica que se afirmou exemplo entre 2005 e 2007.

Cabo Verde é, por último, o país que mais existe no nosso país. A diáspora destas ilhas está em Portugal como em nenhum outro sítio, assume uma parte das dinâmicas económicas, resiste às circunstâncias da crise e adota um papel central na remessa de divisas. Por outro lado, é um exemplo de total inclusão, de negação dos guetos, de assunção de uma partilha de destinos. Cabo Verde é, sem qualquer dúvida, um Estado que se irmana no conceito de uma portugalidade viva, negacionista de um passado balofo, essencialmente aceite na diversidade cultural.

Há quem diga que os negócios de Estado são mais do que simbolismo, devem assumir as responsabilidades mecânicas de fluxos em euros ou dólares. Nada de mais errado. Os negócios de Estado que se prezam são aqueles que nascem de um caminho que se quer construir, sem supremacias, com uma leitura de companheirismo que nivela as relações bilaterais.

Esta visita oficial foi muito importante. Os portugueses poderiam ter sido melhor informados sobre o seu elevado simbolismo.