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Abrir o próprio caminho

Abrir o próprio caminho

Estamos à beira de o País tomar uma opção política jamais tentada, a união das esquerdas para governar. Não se pode abraçar uma causa com a reserva mental de uma experiência. Não se trata de experiência, mas de escolha. O País não merece nem carece de experimentalismos.

Opinião de:

Abrir o próprio caminho

Muitos são os valores que unem as forças que agora se agregam: a vontade de fazer progredir o País, ou seja, crescimento e emprego; a preocupação de não deixar ninguém para trás, lutando contra a pobreza, as desigualdades de nascimento, a ignorância, a incultura, a doença evitável ou controlável, o infortúnio da incapacidade, da velhice solitária e desprotegida; a procura do conhecimento, da inovação, das tecnologias que libertam o homem e tornam a vida menos desigual, mais informada e de maior qualidade; as medidas do nosso relacionamento externo que respeitem e promovam o nosso lugar no mundo e que tornem a relação internacional mais pacífica, tolerante e cooperante; o respeito pelos direitos humanos que nos distingue, pelo estado de direito, pelo pensamento plural, pelo direito à diferença no comportamento e na vida; o respeito pelos valores do Povo, da Nação que herdámos, do futuro que ambicionamos.

Também divergimos: na ação, na forma que preconizamos para alcançar aqueles objetivos comuns; nas estratégias que deveremos adotar no nosso posicionamento histórico e geográfico; na política das alianças externas; no destino a que aspiramos na Europa; nas prioridades temporais da política interna; no sentido de urgência da conjuntura, e até na diferente apreciação que fazemos dos papéis respetivos do Estado e do mercado.

Acumulámos nos últimos quatro anos um capital de queixa comum: a forma como a coligação que agora terminará funções tratou os Portugueses, as suas opiniões e os seus direitos: dividiu-nos entre empregados e desempregados, entre contratuais e precários, entre ricos e pobres, alargando à classe média o tratamento dispensado aos segundos; entre funcionários e assalariados; entre contribuintes e insolventes. Piores foram outras divisões que se acentuaram: entre os que se aquecem ao lume do poder e os que dele são arredados; entre os que têm direito a cargos públicos ou de direção e os outros; os que fruem prebendas e os que apenas pagam impostos; os que têm seus erros e desmandos tolerados e até subvencionados e os que são fiscalmente punidos sem dó nem piedade, à mais ligeira infração.

O Governo que termina empobreceu a cultura, perverteu a independência dos media, segregou, como estudantes, os futuros operários dos que neles mandarão; estigmatizou o ensino público, face ao privado, criando uma falsa competição entre desiguais na procura e nos meios; financiou generosamente o mercado na Educação e na Saúde, mesmo quando lhe reconhece as falhas; tentou fragilizar a Segurança Social com a fantasia de que os direitos dos pensionistas estariam mais bem defendidos com pensões privadas.

O Governo desrespeitou as forças políticas do centro para a esquerda, nunca os ouvindo em decisões, opções e escolhas centrais; acusando-as de não cooperarem quando apenas lhe trazia problemas que havia tornado difíceis ou insolúveis. Com acinte e recidivas, tentou violar a Constituição em nome de supostas opções que se revelarem clamorosos erros económicos, quando a eles atalhou o Tribunal Constitucional. Assumiu a presunção de recuperação económica para a qual nunca contribuiu, mascarou números para enganar eleitores, manipulou o fisco para gerar informação fictícia de falso sucesso.

A coligação que agora se despede fez mal ao País. Se algo de novo gerou foi a repulsa e a união das forças que se lhe opuseram. Bem sabemos que o ódio não une, mesmo que seja comum a muitos. Mas reconhecemos ser mais fácil unirmo-nos quando de fora atacam valores que formam nosso património comum. Mau grado os patentes riscos estamos dispostos a unirmo-nos contra uma direita que não respeitou o País, violentou o Povo mais humilde e frágil, empurrou adultos jovens e bem preparados para a emigração, afastou muitos Portugueses da cidadania.

Temos nas mãos a construção de um futuro que é frágil e pleno de riscos. Cada um de nós terá que sacrificar desejos, pequenas vontades, a sua comodidade, até pequenos valores. Teremos que reunir grandeza de alma, enorme tolerância e profunda determinação para que uma frágil harmonia, feita de renúncias mútuas, mas cimentada em generosa esperança, possa abrir o seu próprio caminho.