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O paradoxo da estabilidade

O paradoxo da estabilidade

O processo eleitoral de 4 de outubro criou uma nova situação política em Portugal, consagrando uma dualidade de análise: os que asseveram que quem ganha as eleições deve ver o respetivo cabeça de lista a formar governo, invocando para isso a Constituição e a tradição; os que, contrapondo a certeza daqueles, asseguram que a indigitação do Presidente da República deverá ter em conta a nova realidade política instaurada com o escrutínio eleitoral.

Opinião de:

O paradoxo da estabilidade

Com efeito, se a anterior legislatura consagrou a vitória do PSD e, em 2015, da PàF, os contextos são bem diferentes. Em 2011, com o entendimento pós-eleitoral feito com o CDS, o PSD alcançou uma maioria absoluta de mandatos na Assembleia da República, não restando ao Presidente outra alternativa que não fosse a indigitação de Passos Coelho para formar governo. Quanto à PáF, muito embora tenha saído vencedora em 2015, mesmo sendo uma coligação, os dois partidos que a integram não alcançaram uma maioria absoluta de mandatos. Mais, a PáF viu diminuído significativamente o número de votos e ficou com menos 25 deputados, tendo sido a única organização política de entre as representadas na Assembleia da República que sofreu tal revés.

Pelo que se pode dizer que a PáF, embora tendo ganhado as eleições, perdeu as condições de governabilidade e de estabilidade, pois apenas poderá conseguir formar um governo minoritário, uma vez afastada a hipótese de um acordo de Governo com o PS.

Do lado daqueles que perderam as eleições existe uma realidade completamente diferente daquela que se apresentava em 2011. A primeira constatação é que os partidos tradicionalmente ditos de esquerda obtiveram uma maioria de votos e de mandatos. Foram também aqueles que melhoraram os seus resultados, tanto em votos como em mandatos, pelo que também se podem considerar vencedores. Nesse sentido, há razões para que os partidos de esquerda se possam concentrar no que os une e deixar entre parênteses o que os separa.

Nestas condições, o Partido Socialista e António Costa emergem como pivôs políticos que assumem a mediação com toda a legalidade, responsabilidade e legitimidade. O PS poderia até viabilizar, no Parlamento, um governo minoritário da PàF, mas não o integrando, se a coligação tivesse manifestado genuína vontade de negociar e de mudar de política. Ora, logo na noite eleitoral, surgiu uma PàF eufórica e arrogante, incapaz de perceber o significado dos resultados eleitorais. Em contrapartida o BE, o PS e a CDU mostraram, de imediato, ter percebido o sinal de mudança. António Costa soube ler os sinais e perceber o que estava em causa: uma mudança de políticas e a procura de uma outra estabilidade para Portugal. Tomando a iniciativa, estabeleceu contactos com todos os partidos para construir uma alternativa de governo viável e estável e que apaziguasse as hostes comunitárias.

Os partidos da oposição são praticamente ignorados quer pelo Presidente quer pela coligação. A plêiade de comentadores das hostes da PàF fizeram coro em torno da solução de governo da PàF. Mas todos eles foram ultrapassados pelos factos. Das Hossanas passaram ao pânico e à chantagem emocional e, de modo caricato, esbracejam e vociferaram contra a possibilidade de uma alternativa de esquerda.

Para eles a proteção do Presidente e as práticas anteriores determinavam o caminho a seguir. Apenas o manto do Presidente parece prevalecer. As práticas anteriores esbarram agora com um contexto diverso. A começar pela palavra do Presidente que definiu como base de sustentação de um novo governo a estabilidade governativa, isto é, um governo de base maioritária na Assembleia da República. Bem sabemos que para a PàF e para o PR o “arco do poder” não contempla o PCP e o BE, fazendo naturalizar a ideia que o papel destes deveria restringir-se à oposição no parlamento e à mobilização nas ruas. Mas até mesmo os Mercados e os “técnicos da TROICA” parecem ter cedido à evidência da necessidade de formação de um governo de esquerda. A Bolsa tem vindo a subir e os juros da dívida – contrariamente aos rituais encetados pelos arautos da desgraça – têm vindo a dar sinais positivos. A menos que, na sequência do discurso de Cavaco Silva, passem a ter uma perceção diferente. Mas, se tal acontecer, será da exclusiva responsabilidade do PR.

Ao Senhor Presidente da República só resta agora, se for congruente com o que em tempos disse sobre condições de estabilidade, dar posse a um governo maioritário e estável, apoiado pela nova na Assembleia da República, a bem de Portugal.