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Os Porquês de Augusto Santos Silva

Os Porquês de Augusto Santos Silva

Sugestão de Filipe Nunes

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Os Porquês de Augusto Santos Silva

Enquanto ainda tentamos perceber os porquês do fim dos “Porquês da Política”, programa da tvi24, vale a pena ler os “Porquês da Esperança”, título do recente livro de conversas entre Augusto Santos Silva e o jornalista Paulo Magalhães.

Augusto Santos Silva tem esperança e explica-nos porquê. Em primeiro lugar convida-nos a olhar para o caminho feito nestes 40 anos de democracia, no acesso à saúde e à educação, na proteção social, na abertura económica, e em tantas outras áreas.

Claro que reconhece os défices estruturais do país: o padrão de especialização e a forma como Portugal se integrou na economia internacional; o défice de qualificações, nomeadamente entre a população mais velha mas ainda ativa; a fraca incorporação de tecnologia e inovação naquilo que fazemos; uma economia pouco democratizada e ainda muito rentista.

Mas não deixa de apontar caminhos para combater esses défices. Simplesmente, antes de percebermos como os podemos combater, temos de nos entender quanto à natureza dos problemas. Está na moda falar-se de “mitos urbanos”. Ora justamente Santos Silva desmonta aqui os dois mitos principais do debate público: o “mito da década perdida” e o “mito da troika regeneradora”.

A primeira década do século XXI pode parecer “perdida”, se pensarmos apenas em termos de produto económico e défice orçamental, mas foi uma década ganha se olharmos para os indicadores sociais – e sabemos como esses indicadores podem fazer a diferença, a prazo, na competitividade económica das nações: a escolarização, a queda do abandono, o acesso a cuidados de saúde, a redução da pobreza e da desigualdade, a baixa da taxa de mortalidade infantil. Avançou-se também bastante na simplificação administrativa, nas políticas de ciência e cultura, na inovação tecnológica – fatores críticos de desenvolvimento e que trarão frutos a prazo (aliás já estão a trazer se olharmos para as exportações).

E depois temos “o mito da troika salvífica”. É que o que nos mostram os números são recuos de décadas. Para termos uma ideia, o risco de pobreza entre os portugueses ou o produto da nossa economia recuaram uma década. Em 2015, nestes pontos críticos, o país recuou ao ponto em que estava em 2005. Mas há recuos maiores: a criação de emprego recuou duas décadas. E o investimento recuou três décadas. Já a emigração voltou ao nível em que estava há mais de quatro décadas, isto é, a um nível pré-democrático…

Feito o diagnóstico, a estratégia de Augusto Santos Silva passa pela identificação dos recursos e pela mobilização dos atores. A língua, a diplomacia, o mar são alguns dos ativos estratégicos identificados. A mobilização dos atores passa pelos partidos políticos democráticos, evidentemente, mas partidos renovados nos seus métodos de decisão e recrutamento, capazes de ir buscar gente nova, e não apenas à academia ou às grandes empresas mas também ao novo empreendedorismo e ao mundo sindical.

Os últimos dois capítulos desta conversa com Paulo Magalhães centram-se nas escolhas e nas políticas. As escolhas de Augusto Santos Silva correspondem a uma cultura política coerente: o europeísmo, o atlantismo, o Estado distributivo, a economia social de mercado e a sociedade liberal. Esses valores constituem o ponto de partida para a diferenciação política da esquerda democrática portuguesa, e que passa muito pela criação de condições de crescimento na periferia da zona euro, pela defesa do Estado social e pela defesa da inovação económica e social.

As políticas defendidas são bem conhecidas de todos, ou não fosse o autor um dos principais colaboradores do Gabinete de Estudos do PS. Estamos a falar de uma política de rendimentos que deixe a economia respirar e criar mais empregos. De uma política fiscal e laboral que premeie o esforço e dignifique o trabalho, combatendo a precariedade. De uma política de combate à pobreza e às desigualdades que devolva dignidade às pessoas e mínimos sociais ao país. De uma política que privilegie as famílias e o acesso aos serviços públicos. De uma política que retome as apostas estratégicas na ciência e tecnologia e na educação de adultos.

Augusto Santos Silva alerta, no entanto, para a importância do reforço das instituições na qualidade das políticas públicas. No fundo, sem boa política não há boas políticas. A reforma do sistema político deve estar no centro da agenda parlamentar da próxima legislatura, e deve ser desejavelmente acompanhada pela recuperação da confiança na justiça, nos media e nas instituições financeiras.

Quando apresentou a sua candidatura a secretário-geral do PS, António Costa disse que “se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governa”. “Os Porquês da Esperança” mostram-nos justamente um pensamento político autónomo, acompanhado por uma programa de ação simultaneamente alternativo e viável.