Manuel Heitor em entrevista à Exame Informática
O Atlântico visto do Espaço
In Exame Informática por Hugo Seneca
Enquanto a Agência Espacial Portuguesa e o Air Centre se preparam para a descolagem, a Lei da Ciência promete uma nova forma de fazer I&D, que dificilmente escapará a um intenso debate político. A meta está fixada: multiplicar por quatro o investimento privado.
Manuel Heitor, Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, jogou de uma assentada os principais trunfos políticos acumulados durante mais de dois anos de Governo. Numa produtividade legislativa difícil de encontrar entre pares e antecessores, o ministro avançou com a Lei da Ciência, a estratégia nacional para o Espaço, e o Air Centre. Não restam muitas dúvidas: Seja como governante que mudou o panorama científico nacional, seja como político que fracassou a executar o mais ambicioso programa político desde que Mariano Gago estreou a função de ministro com a tutela da ciência, Heitor já tem um lugar reservado na história.
Quando é que Portugal terá uma Agência Espacial?
O objetivo não é criar estruturas. O objetivo é podermos, até 2030, multiplicar por 10 vezes a atividade em tecnologias do Espaço em Portugal, permitindo também a significativa multiplicação do número de empregos qualificados numa área que é emergente. A evolução científica e tecnológica dos últimos anos possibilita hoje a entrada de novos países, regiões e empresas numa área explosiva em termos de novas oportunidades. Quando olhamos para o mundo, percebemos que o nosso principal elemento diferenciador tem a ver com o nosso posicionamento geográfico no Atlântico – que deve ser valorizado com mais conhecimento. Sabemos que, ao longo dos últimos séculos, este posicionamento atlântico exigiu sempre muito esforço humano, como nos séculos 15, 16, e 17 ou, como aconteceu depois, um elevado esforço tecnológico, que requer um elevado investimento. Estamos a tentar combinar o Espaço com o nosso posicionamento atlântico e uma agenda inovadora que integra tecnologias do Espaço com tecnologias oceânicas para perceber melhor as alterações climáticas e atuar na Terra. Podemos ver o Espaço com o objetivo de explorar a Lua ou Marte, mas nós vemos o Espaço como uma forma de olhar para a Terra. A observação da Terra, devido à evolução tecnológica e à miniaturização dos satélites, permitiu-nos entrar nesse negócio de produzir e desenvolver novos satélites e colaborar com outros que desenvolvem novos satélites, e desenvolver constelações. Há 50 anos lançavam-se dois ou três grandes satélites de várias toneladas por ano; e há 10 anos lançavam-se cinco a 10 satélites de duas ou três toneladas por ano; hoje, não só é possível lançar satélites de 100 gramas, como também é possível lançar centenas de satélites por ano… e Portugal tem capacidade científica e tecnológica para entrar neste novo domínio.
Agenda e agência podem ter sonoridades similares, mas são coisas diferentes…
O objetivo é uma agenda; o objetivo não é criar uma agência. O objetivo é desenvolver uma agenda que beneficia Portugal e os portugueses e que seja criado emprego qualificado em associação com esta agenda. Como é que se promove uma agenda? É preciso criar um grupo e uma equipa para a implementar. A Agência não é um fim em si, mas sim um promotor da agenda. Nos últimos 15 anos, o desenvolvimento de políticas para o Espaço tem sido feito pelo Grupo do Espaço da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). É um grupo excelente e muito pequeno, que desde 1999 tem servido para promover a participação de Portugal na Agência Espacial Europeia (ESA). Se queremos ir além da atividade com a ESA e explorar uma nova agenda, temos de trabalhar outras áreas. Quando falamos de Espaço podemos estar a falar de agricultura, ou nos oceanos, ou no desenvolvimento urbano. Temos de juntar àquele grupo outras competências que consigam chegar a novos mercados. E por isso se pretende criar uma agência, evoluindo do atual grupo do Espaço na FCT, que tem seis pessoas, para com outras competências nacionais ou internacionais promover uma agenda. Vamos evoluir de um grupo para uma agência de forma gradual…
A futura agência terá a participação de privados?
Diria que deveria (incluir privados…). Obviamente, não há nenhuma experiência de criar parcerias publico-privadas para uma agência espacial, mas esse é o grande desafio. Naturalmente, temos de preservar o papel do Estado, que a FCT e outras entidades públicas podem assegurar, mas sabemos que a atividade espacial vive sobretudo das atividades empresariais, e faz sentido que haja uma agência promotora de emprego qualificado. O objetivo é tentar ter uma agência que seja promotora do desenvolvimento económico, com base em conhecimento e que, eventualmente, tenha a participação de privados, preservando o que deve ser público, mas estimulando o emprego no setor privado. O ideal seria uma parceria do Estado com potenciais utilizadores na agricultura, no ordenamento urbano ou na segurança marítima. Isso era o ideal: criar uma parceria que desenvolva atividade… já que não faz sentido ir buscar as próprias empresas do Espaço, uma vez que elas competem umas com as outras. O que faz sentido é ir buscar utilizadores que, com o Estado, promovam o desenvolvimento das tecnologias espaciais. Vamos começar por alargar o grupo da FCT para envolver outras entidades e agências públicas e, depois, gradualmente tentaremos atrair, essencialmente, empresas que sejam utilizadoras e que queiram partilhar com o Estado o desenvolvimento de novas tecnologias espaciais.
Já recebeu alguma manifestação de interesse da comunidade?
Sim. Na área agrícola, na área do vinho e da vinha, posso dar como exemplo o Vale do Douro. Para se ter melhor controlo da qualidade e da expansão do vinho é preciso ter uma observação muito sistemática. O Vale do Douro é fortemente afetado por processos de alterações climáticas e por flutuações da temperatura. Hoje, com tecnologias espaciais conseguimos ter precisões de meio metro, o que permite uma resolução vinha a vinha… e pode interessar também a outros produtores agrícolas que precisam de informação da Terra para melhorar o controlo da rega e de outras medidas específicas para a agricultura. Com uma resolução espacial de cerca de meio metro, no futuro, o cadastro urbano das câmaras municipais poderá passar a ser feito com tecnologias espaciais. Mas posso dar outro exemplo: as grandes superfícies e supermercados pretendem saber quem são os clientes, e os percursos que fazem entre os supermercados e as habitações. Portanto, há interesses comerciais e há interesses económicos; e há interesses públicos ao nível da segurança e proteção civil – e nesta área, Portugal tem um caso bem conhecido de todos que é a ocorrência de incêndios. As tecnologias espaciais têm sido usadas em Portugal após os incêndios ocorrerem, e como forma de perceber como é que os fogos se propagam, mas cada vez mais vai ser possível ter melhores resoluções nas imagens (de satélite) para prever a ocorrência dos fogos. Há uma série de mercados e faz sentido dinamizar a agência do Espaço com esses mercados, sejam eles públicos ou privados.
As empresas costumam estar dispostas a pagar por serviços… mas será que estão dispostas a investir numa agência?
Temos de encontrar formas de partilha de risco. E por isso definimos para a futura agência do Espaço o desenvolvimento de um laboratório colaborativo, que integra empresas como a Tekever e a Edisoft, e instituições públicas e privadas. É por isso que não devemos ter pressa em criar uma grande infraestrutura pública que depois não funciona no mercado. Estamos a criar alguns destes laboratórios colaborativos… a nível regional temos o laboratório do Vinho e da Vinha do Douro; temos também o laboratório colaborativo para o Atlântico com o uso de tecnologias espaciais e oceânicas; e vemos que a colaboração da FCT com as instituições públicas e estes laboratórios é uma forma de criar mercados e atrair novos utilizadores para o Espaço. O grande desafio é atrair novos utilizadores e com o Estado desenvolver empresas espaciais. O desafio de Portugal é criar uma agência para o Espaço, como a Suíça ou o Luxemburgo…
… Ou Angola, que acaba de lançar um satélite!
Angola tem usado o Espaço sobretudo devido às telecomunicações e às questões de segurança interna. Essas não são as nossas principais preocupações. Mas os desafios das alterações climáticas, com o nosso posicionamento atlântico, pode ser uma área experimental para testar novos mercados. Tem de ser um processo gradual para adquirir a confiança dos novos utilizadores e gradualmente criar uma agenda, para gradualmente também criarmos uma agência sem pormos uma grande infraestrutura à frente dos resultados.
Sem satélites a orbitar, a futura agência terá sempre um papel resumido à vertente comercial e política…
Já participamos hoje nas grandes constelações europeias através da ESA e da Comissão Europeia. O objetivo de qualquer agência terá de ir sempre no sentido de gerir e promover a participação de Portugal na ESA, que hoje é assumido pelo pequeno grupo da FCT. É um papel que pode ser muito explorado e dinamizado. Não faz sentido ter uma agência sem ser em estreita colaboração com a ESA; o que nós queremos é alargar a colaboração com a ESA e explorar novos mercados que estão para além da ESA. E por isso precisamos de ter pessoas com competências próprias que são diferentes daquelas que temos hoje na FCT.
O lançamento dos satélites Infante também deverá dar uma ajuda importante à futura agência espacial!
Esse é um projeto especialmente estruturante porque prevê dinamizar a utilização de uma constelação de pequenos satélites. Por que é que é tão importante? Porque está vocacionado para a observação da Terra a partir de órbitas de baixa altitude, que são as que nos interessam. Incluímos esta estratégia com as parcerias com as universidades do MIT e do Texas, em Austin, onde há centros de investigação espacial muito importantes para nos ajudar a aceder a novas tecnologias, mercados ou capitais…
«As nossas parcerias com as universidades americanas já possibilitaram o investimento para novas startups… e agora estamos a apostar no Espaço. Empresas como a Veniam, que conseguiu o acesso a capitais de origem americana através da parceria com a Universidade de Carnegie Mellon, e também a Unbabel e a Feedzai resultaram de projetos de investigação e participação nestas parcerias com universidades norte-americanas»
E haverá investidores interessados?
As nossas parcerias com as universidades americanas já possibilitaram o investimento para novas startups… e agora estamos a apostar no Espaço. Empresas como a Veniam, que conseguiu o acesso a capitais de origem americana através da parceria com a Universidade de Carnegie Mellon, e também a Unbabel e a Feedzai resultaram de projetos de investigação e participação nestas parcerias com universidades norte-americanas que deram acesso a quadros e financiamentos. Devemos olhar para essas parcerias como uma forma estratégica de internacionalização progressiva da nossa comunidade científica e atração de financiamento direto estrangeiro. Os três exemplos que dou aqui mostram como o financiamento direto estrangeiro pode facilitar a internacionalização da economia – e sobretudo de exportações. Estas empresas sobretudo exportam – e exportam por se terem formado em ambiente internacional. Este é um elemento estratégico perceber como é que a internacionalização da ciência pode facilitar o desenvolvimento económico quer estimulando o financiamento direto, como estimulando a criação de novas empresas. Estou convencido de que temos de ter a visão e a ambição de perceber que somos muito pequenos e temos de trabalhar em parcerias internacionais…
… Essas parcerias também se aplicam à construção de um porto espacial?
O porto espacial pode ser um elemento diferenciador; está na nossa estratégia do Espaço, mas não deve ser um objetivo por si só. Os negócios do Espaço e a criação de empregos serão feitos pelos mercados utilizadores. Se para lançar satélites conseguirmos ter um porto espacial, passaríamos a ter um elemento diferenciador adicional, mas não pode ser esse o único objetivo. Tem de ser um elemento complementar. Os vários estudos realizados pela Universidade de Texas, em Austin (Austin), mostram que os Açores têm um posicionamento dos mais importantes a nível europeu…
Mas não parece especialmente galvanizado com o projeto!
Estou bastante, mas não pode ser este o único projeto. As infraestruturas são importantes e devem ser construídas, se estiverem associadas a uma estratégia de crescimento económico baseada no conhecimento. Se o porto espacial facilitar a adoção dessa estratégia… mas sabemos que esse porto terá de conjugar medidas de segurança e proteção ambiental, que são críticas. E juntamente será necessário captar capital estrangeiro, porque se for só capital nacional não haverá condições para o fazer.
Já ouvi falar da OHB, da PLD, da Deimos… que outras empresas estão interessadas na construção do porto espacial nos Açores?
A ESA lançou um concurso que resultou em cinco estudos sobre potenciais localizações para portos de pequenos lançadores na Europa. Dois desses estudos são focados nos Açores. Um dos estudos é coordenado pela empresa Deimos; e outro que é coordenado pela OHD em parceria com entidades chinesas. Além disso, há ainda outro estudo desenvolvido pela Tekever e o CEIIA e que será enquadrado pela ESA; e temos também um interesse demonstrado pela agência espacial indiana em relação aos Açores. Há várias demonstrações de interesses; e temos promovido essas manifestações para gerar competição e, sobretudo, para mostrar que Portugal pode ser importante para atrair empresas e atividades económicas. Obviamente, o porto espacial é importante e o mercado dos novos lançadores também. É uma infraestrutura que servirá para colocar satélites no Espaço para observar a Terra e gerar novos mercados. Tem de se compreender o porto espacial não como um fim, mas como um meio de dinamizar as atividades espaciais.
Será que o porto espacial consegue gerar um novo cenário económico?
Estou otimista de que Portugal pode usar estes estudos que estão a ser feitos na Europa para se posicionar. Os estudos têm uma componente de segurança e proteção ambiental e, depois, têm uma componente crítica de atração de financiamento. O Reino Unido está a desenvolver cinco estudos – mas não vão ser instalados cinco portos espaciais no Reino Unido. Mas foram feitos vários estudos para dinamizar atividades e também por questões marketing. Além dos projetos no Reino Unido, há também propostas na Suécia e na Noruega, especialmente para acesso a órbitas polares, mas todas as indicações, assim o estudo desenvolvido por Austin é óbvio em mostrar o interesse de um projeto destes nos Açores… se cumprir um conjunto de requisitos ambientais. Não nos podemos esquecer das populações nem do ambiente que tem de ser preservado. Qualquer porto espacial a instalar na Europa será sempre condicionado pela relação entre o número de lançamentos por ano e a carga a lançar. Hoje, há portos espaciais suficientes em todo o mundo – mas sobretudo para grandes satélites que têm um impacto ambiental bastante negativo. O interesse nos Açores está relacionado com lançadores mais pequenos que permitem lançar mais satélites por ano. Esta relação entre número de lançamentos por ano e carga a lançar, reduzindo o impacto ambiental, é um elemento diferenciador dos vários estudos que estão a ser feitos. Interessa-nos que este processo seja feito de forma a atrair a atenção para Portugal e mostrar que o País está aberto à atividade espacial. E por isso o Governo aprovou um projeto-lei do Espaço para dizer ao mundo que Portugal vai ter uma lei em breve e está apto a atrair atividades relacionadas com o Espaço, tendo todo o plano desenvolvido para a regulação nessa área. Nenhuma empresa investirá em Portugal, se não for publicada uma lei específica.
E o programa espacial português consegue sobreviver, mesmo que o porto espacial não avance?
O programa pode ser aumentado e valorizado se o porto espacial avançar, mas não deve estar dependente desse porto. E por isso é que a ênfase deve ser colocada em novos mercados de observação da Terra e, sobretudo, orientada para atrair empresas exportadoras. Hoje, temos empresas como a Tekever, a Edisoft, a Deimos ou a GMV que já exportam… e queremos criar empresas de engenharia em Portugal que sejam exportadoras de tecnologias. Se além disto, tivermos atividades de lançamento, dinamiza-se toda a indústria e cadeia de valor associada aos lançadores. É uma cadeia de valor dinâmica, que vai dos moldes à metalomecânica. E é essa cadeia de valor que estamos a tentar atrair para Portugal.
E qual a relação que o programa espacial pode ter com o Air Centre?
O Air Centre tem como principal narrativa uma agenda inovadora para integrar as tecnologias oceânicas e as tecnologias espaciais. O Air Centre precisa de uma nova dinâmica e de uma nova geração de sistemas integrados. A melhor forma de mapear o oceano Atlântico passará sempre por ter sensores espaciais em pequenos satélites que são integrados com sensores no mar e ao longo da coluna de água (a vários níveis de profundidade do oceano). Mas como é muito caro pôr vários barcos no oceano, a própria segurança marítima no Atlântico será feita cada vez mais com tecnologias espaciais e até veículos robóticos que tanto operam à superfície como na coluna de água. Esse é o grande desafio do Air Centre: desenvolver uma agenda integradora que crie emprego nas regiões atlânticas. Isso só pode ser feito com novas tecnologias. Hoje, há a discussão na Europa sobre a necessidade de limpeza nos oceanos. Fala-se da redução dos microplásticos… A preservação dos oceanos passa por observar o processo de formação dos microplásticos, de saber onde é que eles estão. Ao conseguirmos observar os microplásticos ao longo da coluna de água passamos a poder regular melhor a produção de resíduos. Hoje, é um grande desafio… eventualmente, será criada uma missão ao nível da Comissão Europeia para este desafio. Outro exemplo: as cadeias alimentares e a produção de novos alimentos no oceano. Temos a vantagem de sermos um país que é um grande consumidor de peixe, mas hoje sabemos que as cadeias alimentares dependem da aplicação de novas tecnologias. É um desafio tecnológico brutal. E o Air Centre pode facilitar, em coordenação com empresas e outras iniciativas, o desenvolvimento de tecnologias e indústrias alimentares.
A entrada de novos no Air Centre já está fechada?
Esperamos que a França e a Noruega venham também a entrar. Temos a Espanha como países fundadores; não faria sentido lançar uma atividade nesta área sem o Brasil ou a Espanha, temos duas das maiores economias da África Subsariana, como a África do Sul e a Nigéria. Também achámos que esta era uma forma de promover a cooperação de países de língua portuguesa e por isso também trouxemos, além do Brasil, São Tomé e Angola e Cabo Verde. A próxima cimeira internacional será em Cabo Verde e depois será a vez das Canárias… de forma a que se possa criar uma federação de diferentes instituições que dê origem à organização internacional que será o Air Centre.
Na política internacional, a ingenuidade não existe e as boas intenções também escasseiam… não será mais natural que estes países todos entrem em brigas em vez de cooperarem?
Somos muito humildes, mas temos também muita ambição. Já temos financiamentos de Portugal, Espanha e Brasil para um conjunto de projetos-piloto que vão dar conteúdo e sustento (ao Air Centre). Portugal está a financiar um conjunto de projetos-pilotos em colaboração com o MIT, CMU e Austin e Angola e Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, no âmbito do programa de cooperação com a Fundação Aga Khan. Estamos a tentar usar as nossas parcerias estratégicas para desenvolver projetos-piloto. Os espanhóis também trazem projetos-pilotos. A construção do Air Centre está a ser feita com base num conjunto de projetos que já têm financiamento em vários países, juntamente com uma rede de instituições afiliadas. Por exemplo, estive na Nigéria a abrir o centro ligado às tecnologias espaciais em Abuja. Em Angola, o Governo já indicou o instituto das pescas como um dos centros… no Brasil, a Universidade Federal do Rio de Janeiro está a criar um polo e no Ceará haverá outro. A ideia é gradualmente integrar instituições, cada uma com os seus projetos… e interagindo umas com as outras podemos criar uma federação, com projetos que estão federados com o Air Centre. O Observatório Europeu do Sul, no Chile, está a ser criado numa visão bottom-up, sobretudo com base em projetos que lhe dão conteúdo. No caso do Air Centre serão apresentados os primeiros projetos-piloto e os primeiros polos e centros afiliados. O objetivo é ter, até 2020, uma organização internacional que funcione como um chapéu para todos estes centros afiliados, sendo que cada centro terá de trazer financiamento nas suas origens. Em vez de se criar uma associação como a ESA ou o CERN, em que cada país paga uma quota, estamos a federar instituições que já existem, com projetos em curso que podem servir de pilotos em que os centros interagem uns com os outros.
Cada país terá o mesmo voto?
Eventualmente. Essa é a regra normal, mas neste momento estamos em processo de construção, e estamos longe de ter todos os termos definidos e queremos um processo de construção gradual. No último ano, fizemos muito e o processo está a evoluir mais rápido do que aquilo que fizemos, com a dinamização de Portugal, Espanha e Brasil…
Mas não há uma parceria com a maior das potências, que por sinal também está no atlântico…
Desde sempre que a participação dos EUA em organizações deste tipo é feita através de instituições em si e não através do governo. E por isso é que envolvemos os programas de parceria com o MIT, CMU e Austin como parceiros estratégicos do Air Centre. Austin também assinou a declaração de Florianópolis. Em Austin, teremos certamente um dos centros afiliados do Air Centre, que estará associado ao Centro de Computação Avançada do Texas (TACC), que é um dos mais avançados do mundo. O tratamento de dados é crítico para fazer qualquer coisa no Atlântico. A construção do Air Centre também está a ser feita com a instalação daquilo a que chamamos o Air Centre Data Intelligent Network, com o supercomputador de Austin, o supercomputador de Barcelona, que é um dos cinco maiores na Europa, o supercomputador da FCT que vai ser instalado no Minho, e o supercomputador da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estamos a formar uma rede de supercomputadores para processar dados. Os projetos que referi sobre a limpeza e a saúde dos oceanos requerem muito poder de computação para poderem processar toda a informação que vem de satélite.
«No último Conselho de Ministros, lançámos as bases para uma estratégia para 2030, que é assente no aumento da despesa privada… conseguido multiplicar por quatro a despesa privada, ao mesmo tempo que se duplica o investimento da despesa pública em I&D. Sabemos que isso só será feito se formarmos mais pessoas e desenvolvermos ativamente as áreas da investigação em articulação com o ensino superior»
Mesmo que o seu mandato acabasse hoje, já deixava como legado as parcerias com as universidades estrangeiras fechadas…
Deixava um pouco mais que isso. Quando aceitei vir para o Governo, comprometi-me em retomar um ciclo de convergência com a Europa. Foi esse o desafio… através de um trabalho coletivo para aumentar o investimento público e privado em investigação e desenvolvimento. E hoje temos resultados. O ano de 2016 foi o primeiro em que, após cinco anos de divergência com a Europa, o investimento público e privado aumentou – o investimento público 40 milhões de euros e o investimento privado 90 milhões de euros. Aumentámos para 1,3% o investimento do PIB em investigação e desenvolvimento (I&D).
… mas continuamos longe dos três por cento da média europeia!
Claro. Mas certos dados preliminares voltaram a dar garantias importantes de que o investimento está a aumentar. Fico contente por, em 2016, ter contribuído para inverter a divergência com a Europa. No último Conselho de Ministros, lançámos as bases para uma estratégia para 2030, que é assente no aumento da despesa privada… conseguindo multiplicar por quatro a despesa privada, ao mesmo tempo que se duplica o investimento da despesa pública em I&D. Sabemos que isso só será feito se formarmos mais pessoas e desenvolvermos ativamente as áreas da investigação em articulação com o ensino superior… o que requer uma reorientação grande nas pós graduações que são feitas em Portugal. E por isso aprovámos um projeto de revisão do regime legal de graus e diplomas, particularmente orientado para estimular o crescimento do ensino superior em articulação com a ciência. O objetivo é estimular o desenvolvimento da pós-graduação ao mesmo tempo que se promove uma melhor distribuição geográfica dos estudantes.
A avaliar pelas reações das universidades esse ponto é capaz de lhe valer uma dor de cabeça…
Pois… mas vale a pena. Os dois elementos críticos aprovados foram o projeto de revisão de estrutura legal de graus e diplomas, ao mesmo tempo que mudámos o regime jurídico da ciência que era de 1999. Temos em discussão pública aquilo a que chamo a Lei da Ciência e que é a revisão do decreto de lei 125/99. Obviamente, o reforço das parcerias internacionais só faz sentido se for enquadrado com a estratégia da UE. Há um reforço do conhecimento que tem de ser feito com mais emprego. A ciência tem de criar emprego.
Quantas das pessoas que tiram cursos no âmbito das parcerias internacionais ficam em Portugal?
Há muitas pessoas que ficam… outras saem. O que sabemos é que, olhando para o passado, as parcerias investidas desde 2017 já geraram muitas centenas de milhões de euros. O retorno económico foi enorme. Foi sempre essa experiência que Portugal teve, enquanto país pequeno, quando começou a participar no CERN ou na ESA. Não podemos aspirar a ter uma economia melhor, mais saudável, com mais conhecimento, sem ser fortemente internacionalizada. As parcerias internacionais dão acesso a conhecimento e também a novos mercados. Hoje temos acesso a fundos de investimento americanos e as parcerias posicionam-nos muito bem na Europa. Porque deram credibilidade às instituições portuguesas. Devido ao facto de Portugal colaborar com o MIT, CMU ou Austin, que estão entre as melhores 20 universidades do mundo, temos um reconhecimento na Europa muito importante. Estas parcerias têm várias dimensões. Certamente umas são muitas operacionais, com formação e dinamização das nossas universidades, mas há também uma afirmação estratégica no mundo, nomeadamente na Europa e também na nossa cooperação com a Ásia. Obviamente, as grandes empresas e universidades americanas têm como uma base de referência norte-americana muito forte, e por isso atraímos mais investimento chinês para Portugal – da área da energia à área biomédica.
O que vai mudar na Agência de Inovação (AnI)?
Vai ser feita uma reorientação da AnI com vista ao aumento do investimento privado para I&D, com o objetivo de criar 5000 postos…
… esta euforia das startups também há de ajudar a alcançar esse objetivo!
Sabemos que podemos conjugar o estímulo à criação de startups com uma política de internacionalização… e as parcerias internacionais servem muito para isso. Os exemplos (de startuts portuguesas bem-sucedidas) que dei distinguem-se por terem crescido através das parcerias e pelo acesso a fundos norte-americanos. Sabemos que, para ter uma startup que cria muito, temos de criar muitas – porque as startups criam-se, mas também morrem. E temos de lhes dar acesso a mercados e a fundos de capital que não existem em Portugal. Por isso, os movimentos de apoio às startups, do ponto de vista do conhecimento científico, só fazem sentido se forem aliados a uma forte estratégia de internacionalização. Porque estas startups para crescerem têm de ter serviços e produtos e terem ainda clientes – e esses clientes não estão em Portugal. As startups que crescerem – e aquelas que tiveram taxas de crescimento aceleradas – são sobretudo exportadoras. Há uma estratégia para usar melhor essa comunidade científica muito internacionalizada para espevitar exportações e criar startups exportadoras. A Veniam, a Feedzai, a Unbabel têm os centros de engenharia em Portugal, mas exportam para todo o mundo. São startups baseadas em conhecimento e altamente exportadoras. Temos é de ter mais destas startups. Não temos doutores nem técnicos especializados suficientes e temos de ser muito mais agressivos na pós-graduação. A par deste leque de medidas legislativas e programáticas estamos a atuar ao nível da regulação do ensino superior, estimulando sobretudo as duas maiores cidades… Lisboa e Porto são as cidades que têm maior capacidade para atrair estrangeiros que queiram desenvolver pós-graduações, mas queremos garantir uma melhor distribuição de estudantes nacionais pelo território nacional.
Tem saudades de dar aulas?
Muitas. Espero voltar a dar aulas em breve.