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35 horas: devolução salarial

35 horas: devolução salarial

É difícil conseguir entrar numa discussão séria sobre o horário de trabalho na função pública sem se perceber a causa das 35 horas e a consequência das 40 horas. À direita já sabemos que existe um grave e antigo preconceito contra os funcionários públicos, que muitas vezes contribui para criar tensões na sociedade, dividindo o país entre público e privado. Quem já teve a oportunidade de trabalhar de perto com funcionários do Estado percebe, logo à partida, a tremenda injustiça e o irrealismo destas acusações. Não significa isto, obviamente, que não se encontrem funcionários menos produtivos ou mais burocráticos mas, também estes, conseguimos encontrar no sector privado.

Opinião de:

35 horas: devolução salarial

Mas o que importa debater com seriedade e despidos de preconceitos é o significado desta medida de redução do horário laboral. Nos anos 90 o Governo decidiu reduzir o horário de trabalho de 40 para 35 horas aos funcionários do Estado, o que levou, de facto, a uma valorização salarial. Foi esta redução horária que, na altura, serviu de alternativa a um aumento dos vencimentos, e ao consequente impacto nas contas públicas. Desde então a Função Pública tem trabalhado num regime de 35 horas semanais, até ao último governo.

Na prática, a passagem do regime das 35 horas para as 40 horas levou à desvalorização salarial do emprego público. Tomemos, por exemplo, a remuneração média das Administrações Públicas, que de acordo com a síntese estatística do Emprego Público, publicada pela Direcção Geral das Administração e do Emprego Público, é de 1400€. Tomando como referencial 22 dias úteis, e um horário laboral de 7 horas, obtemos uma remuneração média horária de 9,10€. A passagem para as 40 horas levou a remuneração média horária a reduzir-se para 7,95€, ou seja, menos 12,5%. 

A direita tenta, consecutivamente, levar o debate para uma comparação entre sector público e sector privado. Será difícil defender as 35 horas de trabalho semanais se ficarmos reféns da óptica da comparação, e deste apelo desesperado à inveja e intriga entre trabalhadores. Para percebermos e defendermos as 35 horas é necessário, invariavelmente, perceber as causas e as consequências das acções tomadas e a tomar. É legítimo que haja, por parte de qualquer governo, a vontade de estabelecer as 40 horas semanais como horário de trabalho na Função Pública, mas terá necessariamente de haver a respectiva compensação salarial, i. e. aumento de vencimentos, que permita a cada trabalhador do Estado manter a sua remuneração salarial horária. 

Por fim, há que combater a ideia ilusória de que na Função Pública se ganha muito. Os dados evidenciam uma remuneração média que, apesar de superior à remuneração média nacional, é reduzida, facto também explicado por aqui encontrarmos profissionais com qualificações superiores à média nacional, sendo que muitos deles não têm correspondência no sector privado, como o caso dos magistrados e diplomatas. O problema de Portugal não é a função pública ganhar (aparentemente) muito, o problema do nosso país já foi diagnosticado há muito: os Portugueses ganham pouco. E enquanto tivermos resistência a aumentos de salários mínimos nacionais ou de prestações sociais ficamos convictos de que é necessário continuar a lutar por salários justos e dignos. E é nesse sentido, aliás, que a Juventude Socialista levou ao XXI Congresso do PS uma moção pela limitação da desproporcionalidade salarial dentro de organizações.

Em conclusão: sem dúvida temos de reter o óbvio, e que muitos ainda não perceberam: as 35 horas não são a consagração de uma discriminação a favor dos funcionários públicos, mas a reposição salarial de um corte encapotado feito pela direita, assente em argumentos falaciosos e intriguistas, e demonstrativos de que para a direita a degradação da classe dos trabalhadores do Estado é um dos primeiros passos para a privatização de sectores fundamentais.