150 anos do fim da Pena de Morte em Portugal
O evento inseriu-se no âmbito do Festival Literário Internacional de Óbidos (Fólio) que contou, este ano, com a sua terceira edição e decorreu entre os dias 19 e 29 de outubro.
Como podia ler-se em vários suportes de divulgação do festival: “O Fólio este ano é rebelde, revoltado e revolucionário. Mas também é único, inclusivo e feliz. Os dias mágicos que a vila literária apresenta este ano são um manual de instruções para a compreensão da história”. Compreender a história, foi precisamente o que os dois excelentes oradores, Ferreira Fernandes e João Soares, nos facultaram.
O tema do evento era, como se referiu, a Abolição da Pena de Morte.
Com as primeiras palavras dos intervenientes, toda a audiência pôde perceber que não se trataria de um debate, em que se mostrariam argumentos de teses opostas, mas sim de uma conversa entre dois humanistas, com convicções assentes nos valores da tolerância, do respeito pela vida humana e da reabilitação dos condenados.
Neste ano de 2017, celebram-se os 150 anos da extinção da Pena de Morte em Portugal, e, nesse contexto, tanto Ferreira Fernandes como João Soares destacaram a circunstância de esse facto ser pouco valorizado pelo país e pelos seus nacionais. “A questão do fim da Pena de Morte é uma marca que nos distingue pela positiva relativamente à generalidade dos países, mas, no plano internacional, não a valorizamos”, reforçou João Soares.
Portugal foi o primeiro dos Estados modernos europeus (tendo apenas sido precedido pelos microestados da República de São Marino e do Ducado da Toscânia, este último, mais tarde, integrado na Itália) a abolir a Pena de Morte para crimes civis, e fê-lo através da Carta de Lei de 1 de julho de 1867, no reinado de D. Luís, na sequência de uma proposta avançada pelo ministro da justiça da época. Para Ferreira Fernandes esta proposta para o fim da Pena de Morte “não foi um passo, foi um corte epistemológico, foi a compreensão de que o Estado, mesmo sendo Estado, não podia matar”.
O nosso território foi, sem dúvida, nesta matéria da extinção da pena capital, pioneiro e fortemente inspirador, tornando-se num ator extremamente relevante para a história, cultura e ideais da União Europeia. E, apesar de a Abolição da Pena de Porte não ser uma marca fortemente vincada na consciência coletiva nacional, a nível Europeu as Instituições são-nos reconhecidas. É por isso mesmo que, em abril de 2015, a Carta de Lei de 1867 foi distinguida pela Comissão Europeia como “Marca do Património Europeu” (Iniciativa da União Europeia estabelecida pela Decisão n.º 1194/2011/UE do Parlamento Europeu e do Conselho). Pretendeu-se com esta distinção contribuir para a promoção dos valores da Cidadania Europeia e dos Direitos Humanos.
Como não podia deixar de ser, a propósito do tema em apreço também se falou de livros e de escritores, com destaque para Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Albert Camus, Roger Crowley e Victor Hugo. Falando no escritor francês Victor Hugo, não podíamos deixar de referir e apresentar um pequeno excerto da carta que o mesmo enviou ao jornalista Pedro Brito Aranha, a 15 de junho de 1867, a propósito da aprovação da lei que extinguia a Pena de Morte: “Amo e glorifico o vosso belo e querido Portugal. É livre, portanto, é grande. Portugal acaba de abolir a Pena de Morte.
Acompanhar este progresso é dar um grande passo civilizacional. Desde hoje, Portugal está à cabeça da Europa. Vós, Portugueses, não deixastes de ser navegadores intrépidos. Outrora íeis à frente nos Oceanos; hoje ides à frente na verdade. Proclamar princípios é ainda mais belo que descobrir mundos.”
Desde abril deste ano, tiveram início diversos eventos relacionados com as comemorações dos 150 anos do fim da Pena de Morte em Portugal. Até julho de 2018, muitos outros estão programados. De todas essas iniciativas, destaca-se a exposição a decorrer até 29 de dezembro de 2017, no Átrio Principal da Assembleia da República, sob o tema “Morte à Morte! 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal / 1867 – 2017”.
Aproveitamos para realçar que, tal como referiram os oradores da conferência em apreço, “a fronteira entre a civilização e a barbárie é muito ténue, sendo muito fácil passamos para o horror”, pelo que a consciência cívica, a vivência histórica e o conhecimento, participação e interesse de toda a comunidade por estes temas é fundamental para a manutenção e defesa das liberdades e direitos conquistados.