139 Milhões de Euros!
Como tenho defendido muitas vezes, a responsabilidade constitucional e política do Estado em matéria de educação é com o serviço público de ensino, pois todos têm um direito fundamental à escola pública, como garante de um ensino de qualidade num ambiente de igualdade social, de integração interclassista e de neutralidade religiosa e ideológica. Por isso, tal como sucede no que respeita a outros serviços públicos constitucionalmente garantidos (por exemplo, a saúde), o Estado só deve financiar a frequência das escolas privadas em caso de défice de oferta nas escolas públicas na mesma povoação e enquanto ele durar, e desde que aquelas assegurem as mesmas condições das escola públicas.
Como é óbvio, não faz nenhum sentido que o Estado, tendo conhecidas dificuldades orçamentais para cumprir as suas obrigações em relação ao serviço público de ensino, ainda agrave essas dificuldades com uma pródiga subvenção das escolas privadas. Ora, no orçamento de 2016 os contratos de associação celebrados pelo Governo PSD/CDS – aliás muitos deles ilegais, por duplicarem a oferta da rede pública – já importam um custo de 139 milhões de euros. É dinheiro público que faz muita falta à melhoria da cobertura e da qualidade da escola pública. É tempo de estancar esta hemorragia e, doravante, limitar novos contratos aos casos comprovados de carência local da rede pública, como impõe a Constituição e a lei.
Salvo quando supram “falhas do Estado”, as instituições privadas devem viver pelos seus próprios meios e não à custa dos contribuintes. Tal como noutros setores (saúde, serviços sociais, etc.), a oferta privada de serviços em paralelo com serviços públicos não pode contar com ajudas de Estado para sustentar a procura. Para além do suprimento das carências da rede pública, a viabilidade do setor privado do ensino deve assentar numa oferta diferenciada, seja na qualidade acrescida, seja no regime de frequência (internato, horário prolongado), seja em serviços e facilidades adicionais (transporte, equipamentos desportivos, ensino de música, atividades circum-escolares, etc.).
Para ajudas do Estado já bastam as representadas pelas isenções fiscais dos colégios e pela dedução das propinas no IRS, que não são de pequena monta…
2. Ao contrário dos argumentos da direita e do lobby do ensino privado, não está em causa de modo algum a liberdade de ensino nem muito menos a liberdade de escolha da escola.
A liberdade de ensino está plenamente garantida pela Constituição e pela lei, ao estabelecer a liberdade de criação de escolas particulares e cooperativas e ao assegurar a sua autonomia de gestão sem interferências injustificadas do Estado. E todos os que possam e queiram são livres de preferir o ensino privado (por razões religiosas, ideológicas ou simples busca de status social), visto que o ensino público não é obrigatório e aquele goza do mesmo reconhecimento oficial.
Tampouco tem o mínimo sentido arguir com a liberdade de escolha entre o ensino público e o ensino privado. A opção pelo ensino privado é uma liberdade que o Estado tem de respeitar (e respeita!), não um direito que o Estado tenha de assegurar, muito menos de financiar.
É assim na saúde, onde o Estado não tem de financiar a opção pelas clínicas privadas, salvo na falta de oferta do SNS; é assim nos serviços sociais, onde o Estado não tem de financiar a opção pelos estabelecimentos privados, salvo na falta do serviço público; é assim na justiça, onde o Estado não tem de financiar a opção por tribunais arbitrais, salvo quando obrigatórios; é assim na segurança, onde o Estado não tem de financiar a opção por serviços de segurança privados. Não se vê por que é que tem de ser diferente no caso do ensino.
De resto, seria uma contradição nos termos que o Estado decidisse subsidiar o ensino privado pondo em causa o financiamento da sua obrigação constitucional de proporcionar o acesso universal à escola pública em todo o território nacional e assegurar a sua qualidade.
3. O PS tem uma responsabilidade reforçada na defesa da escola pública. Por várias razões.
Primeiro, o PS é o mais lídimo representante da herança republicana que na I República elevou a escola pública universal a fator primordial da cidadania e da emancipação humana. Segundo, por definição a esquerda tem a obrigação de dar prioridade a um serviço público de ensino capaz de garantir a todos, sem seletividade social, uma educação isenta de doutrinação ideológica ou religiosa. Terceiro, como principal autor da Constituição de 1976, incumbe especialmente ao PS dar realização aos direitos económicos, sociais e culturais tal como previstos na Lei Fundamental.
Ao longo destes quarenta anos nem sempre o PS cuidou de zelar por estes valores. Mas se hoje há algo que distingue o PS da direita é justamente levar a sério o Estado social e os serviços públicos que o consubstanciam. O PS não pode deixar de combater o projeto da direita de trocar o Estado prestador de serviços públicos, tal como previsto na Constituição, por um Estado financiador de serviços prestados por privados. Tampouco pode estimular ou subvencionar a “fuga para a escola privada” e a redução da escola pública a um serviço para pobres.