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Diário de Notícias entrevista Vieira da Silva: “Não precisamos de estar sempre a mudar tudo, nem é conveniente”

Diário de Notícias entrevista Vieira da Silva: “Não precisamos de estar sempre a mudar tudo, nem é conveniente”

Ministro lembra que o saldo da Segurança Social é positivo e que já permitiu “aumentar o período de equilíbrio em mais seis anos”. Por isso acha que não é urgente reformar o sistema e diz que estas questões não se resolvem com “quatro ou cinco crânios que, um dia, estalam os dedos”

O seu ministério vai baixar a despesa global em 0,6%, mais de cem milhões de euros, havendo o aumento de algumas prestações sociais, como o abono de família, que quase triplica para as crianças até aos 3 anos, ou o apoio aos deficientes, que aumenta cerca de 60 milhões. E a atualização das pensões vai custar cerca de 200 milhões. Onde é que vai conseguir a poupança?

Quando nós olhamos para as contas do Ministério do Trabalho temos de levar em linha de conta que o ministério tem muitas gavetas, tem muitas áreas de intervenção. Tem uma área que é financeiramente mais pesada, que é a segurança social, depois tem a área do emprego e tem também a gestão de fundos comunitários. Obviamente, nós temos em geral um crescimento das prestações sociais. Há uma, no entanto, que tem uma redução que corresponde à trajetória de diminuição de desemprego e, portanto, a compensação existe. Olhamos para o orçamento da segurança social e verificamos que há um crescimento da despesa nas matérias que identificou, já que a generalidade das prestações sociais tem uma evolução positiva, ou seja, há um crescimento com a exceção significativa do subsídio de desemprego. Há menos subsídios porque há menos pessoas a pedir e, portanto, é aí que está a explicação, a par dos outros fatores que são um pouco mais aleatórios.

Significa que estão a pensar em poupar 300 ou 400 milhões de euros no subsídio de desemprego?

Cerca de 200 milhões de euros, se a memória não me falha. Mas não é bem uma poupança, trata-se de o subsídio de desemprego dar resposta às solicitações, porque não há nenhuma alteração à legislação prevista.

É a evolução económica que permite essa poupança?

É a evolução económica, de facto. Estamos a falar de um dos dados mais marcantes do enquadramento deste Orçamento, estamos a viver uma situação de crescimento real do emprego. As contribuições, neste momento, estão a evoluir em termos acumulados 4,7% a 5%. O que é que isso quer dizer? Que as contribuições, como a taxa não mudou, só crescem quando aumenta a massa salarial, o que acontece através da subida do emprego ou do aumento dos salários. Estamos a contar com uma variação de 4,7%, que é um crescimento significativo, acima da estimativa que se faz para a economia portuguesa.

A economia não está tão boa como era expectável, mas o emprego está melhor do que era esperado.

O que é um pouco estranho, porque talvez a economia esteja a mudar e não seja tão fácil apreender a mudança -que se reflete em mais emprego do que estávamos à espera.

Há mais confiança no mercado?

Os empresários estão a demonstrar mais confiança no crescimento da economia – senão não contratavam. Isso é uma coisa que é absolutamente indiscutível. Falou-se muito do aumento do salário mínimo e por aí fora, mas nós temos de acompanhar isso quase ao milímetro, quase todos Os dias, e não verificamos nenhum sinal de abrandamento. Portanto, há um crescimento líquido. Essa é, aliás, a grande novidade: a recuperação da economia portuguesa, hoje, faz-se com mais emprego. Cresce mais o emprego do que diminui o desemprego.

Já não é preciso estar a crescer 2% ou 3% para aumentar o emprego.

Esse é o mistério. Eu sou economista e aprendi nos livros durante muitos anos que a economia tinha de crescera 2,5% para que aumentasse o emprego. Aparentemente o emprego está a crescer e de uma forma significativa – 5% de contribuições é muito nesta conjuntura económica. É um sinal muito positivo e não é muito compatível com crescimentos tão baixos.

Isto põe em causa as teorias que conhecíamos até hoje?

Provavelmente, a economia é diferente e, como sabe, o cálculo do PIB é feito através da utilização de variáveis avançadas. Estou a simplificar, mas hoje a economia é um bocadinho diferente, tem outras dimensões, por exemplo o peso do crescimento dos serviços, do turismo, de algumas novas atividades, mesmo industriais ou da área da inovação – talvez isso não apareça refletido. Mas isso acontece em Portugal, como em todos os outros países. Esta diferença entre o emprego crescer mais rapidamente do que aparentemente a economia está a desenvolver-se não acontece só em Portugal. A Itália, por exemplo, viveu durante alguns anos processos semelhantes e outros países europeus também. Agora, obviamente que do ponto de vista da economia e do Estado essa variação do emprego e a variação das contribuições são muito positivas, são um fator decisivo. Um dos aspetos fundamentais do orçamento do meu ministério é que as receitas contributivas estão a crescer mais do que as despesas contributivas. E estão a aumentar hoje e vão subir para o ano, segundo os dados do Orçamento, o que quer dizer que entrámos numa lógica de correção de desequilíbrios, de melhoria do saldo a curto prazo e de – lamento que lenta – melhoria da perspetiva de longo prazo.

Vamos entrar nas pensões. Como é que pode um governo de esquerda deixar sem atualização extraordinária reformas que não ultrapassam os 265 euros, fazendo-o para pensões desse valor até 628 euros?

Eu explico com toda a clareza. Nós vivemos um período recente em que a generalidade das pensões ou estiveram congeladas ou tiverem cortes. E depois houve três tipos de pensões mínimas – uma delas contributiva e duas não contributivas – que tiveram atualizações que, no conjunto destes anos, se situaram entre os 14 e os 15 euros. A pensão mais alta que teve aumento foi uma de 264 euros. O que quer dizer que uma pensão mínima de alguém que tivesse contribuído para a Segurança Social durante 30 anos e que tinha uma pensão mí- nima de 300 euros não teve aumento nenhum durante estes anos. Um governo de esquerda deve olhar para a realidade como ela é.

Continua a ser verdade hoje que uma pensão de 264 euros, que não vai ter aumento, é uma pensão baixa.

É verdade que é uma pensão baixa, mas aí entra outro fator que deve guiar a condução de uma política de pensões justa, que é também levar em linha de conta o esforço contributivo das pessoas. Uma pensão mínima de alguém que descontou durante cinco ou dez anos para a Segurança Social é diferente de uma pensão mini ma de alguém que descontou 30 ou 40.

Mas a vida para as pessoas, senhor ministro, sabe isso como nós sabemos, é igual. Portanto, tendo contribuída ou não, tendo sido uma doméstica ou um trabalhador agrícola, à jorna, a vida foi difícil e as pessoas têm de viver com o dinheiro que têm.

Depende se o facto de ter contribuído pouco esteve ou não associado à possibilidade de ter tido outros rendimentos. Por vezes, até tem outras pensões. Eu podia sintetizar em três ideias porque é que fizemos esta atualização extraordinária, rapidamente, com três níveis, três tipos de razões. Em primeiro lugar, porque são pensões baixas, qualquer que seja o indicador que utilizemos. Em segundo lugar, porque são pensões que estiveram congeladas durante cinco anos. E em terceiro lugar, porque são pensões com maior carga contributiva. Quem toma decisões não pode ignorar a dimensão contributiva, não se pode discriminar negativamente pessoas que têm pensões baixas e que contribuíram durante 30 ou 40 anos. É até um sinal errado. Estaríamos a dizer que não interessa assim tanto contribuir, porque depois na hora de discutir os aumentos…

Mas deixe-me insistir consigo. Alguém que ganha menos de 265 euros tem de viver com isso. Bem sei que depois há o complemento solidário de idosos quem tem absoluta necessidade pode concorrer a esse complemento e fá-lo com certeza, tendo essa dificuldade. Mas estou a salientar isto para lhe perguntar: para quando as condições de recursos para estas pensões não contributivas? Porque a melhor maneira de resolver é não haver uni aumento que é cego, que apanha as pessoas que precisam e as que não precisam…

É a melhor maneira do ponto de vista futuro e estratégico. O governo está a trabalhar nisso, está a trabalhar para que no futuro, quando se trate de determinado tipo de pensões, elas sejam sujeitas como outras prestações já são.

E o que é que é futuro? É porque essa foi uma das promessas de campanha do Partido Socialista.

Sim, mas foi uma coisa para a legislatura, não para o primeiro ano – não estamos a um ano. Estamos perante uma situação em que é evidente que valia a pena ter essa condição de recursos. Sim, é verdade, agora deixe-me dizer-lhe uma coisa. Quando se trata de dimensões não contributivas obviamente que também temos de ter a sensibilidade de perceber que não vamos alterar as condições de vida de uma pessoa com 75 anos. Portanto, a introdução de maior exigência em termos de condição de recursos nalgumas pensões tem de ser feita numa perspetiva de futuro e não de estar a cortar pensões de pessoas que têm, muitas delas, 75 ou 80 anos. Isso não faria sentido, seria socialmente insustentável. Agora o compromisso do governo, e eu espero que em 2017 nós possamos dar passos seguros nesse sentido, é de haver mais exigência. Mas a questão do complemento solidário não é uma questão menor…

Mas não estava a dizer que é menor. Ela só se aplica a pessoas que tenham necessidade absoluta, ou seja, as pessoas concorrem, mas quem tiver uma grande conta bancária ou grande património também pode receber estas pensões mínimas.

Claro, mas aí estamos a falar de um esforço redistributivo que é pago pelos nossos impostos e, portanto, temos de utilizá-los de forma muito rigorosa. E por isso mesmo o complemento solidário é uma prestação alta. Repare que elas já tinham a pensão não contributiva.

Deixe-me fazer a pergunta novamente. Está a dizer que em 2017 avançará a discussão no Parlamento sobre a introdução da condição de recursos para pensões não contributivas?

No ano de 2017, iremos avaliar o processo das condições de recursos de urna forma generalizada, nas matérias das prestações sociais não contributivas.

Procurando legislar em 2017.

Para o futuro, com a garantia de que as pensões atribuídas são pensões que para nós devem ser respeitadas. Foram atribuídas em condições que o Estado fixou, as pessoas não forçaram o Estado a fixar aquelas condições. Agora, voltando à justiça de que eu falei. Quando estamos a falar deste grupo de pessoas, o grupo de pensionistas que não teve nenhum aumento, que tem pensões baixas, ainda por cima a grande maioria contribuiu durante muitos anos, estamos a falar de 1,5 milhões de pessoas, não estamos a falar de um pequeno grupo.

Será uma questão de opções, mas tem de perceber que as pessoas estranhem que alguém que ganha menos de 265 euros não tenha um aumento.

Teve um aumento de 15 euros ao longo destes anos e muitas pessoas não tiverem nenhum aumento.

Ainda assim, estão abaixo dos 265 euros.

As pessoas estranham. Aí a resposta que nós temos de dar é sempre a mesma. Hoje em dia, em Portugal, ninguém tem de viver com 260 euros por mês, porque há uma prestação social que funciona para essas pessoas. Obviamente, se uma pessoa tem um rendimento desse valor e, por exemplo, tem uma pensão que ganhou legitimamente no estrangeiro, porque foi emigrante durante uma série de anos e trouxe de lá outra pensão, não precisa do complemento solidário e mesmo assim tem uma pensão mínima já apoiada pelo Estado.

Esta questão da atualização das pensões foi dos dossiês mais difíceis de fechar. PCP e Bloco queriam um aumento de dez euros já em janeiro. O PCP até queria que esse aumento fosse alargado a todas as pensões – e ficámos longe desse cenário. Este assunto está encerrado ou ainda há margem de manobra na discussão na especialidade?

Obviamente que a Assembleia da República é soberana, mas do ponto de vista do governo este assunto está encerrado. Os aumentos que foram feitos nas pensões durante quatro anos, as tais pensões mínimas, totalizaram 185 milhões de euros aproximadamente. Os aumentos deste ano, sem contar com o crescimento…

Situam-se nos 187 milhões de euros.

Se somarmos o que acontece no complemento solidário, ultrapassa os 200 milhões de euros. Num ano, esses aumentos correspondem a mais do que foi alcançado em aumentos durante o governo anterior.

A minha questão é política, ou seja, como é que a gestão política desta medida se faz e se há ou não margem para voltar a este assunto na especialidade.

Eu acho que esta entrevista que estamos a fazer é um momento muito importante para isso, temos de explicar bem porque é que tomámos estas opções. Se me permitem, não foram apenas estas, nós tornámos outra opção que é estratégica e que é muito importante para o futuro: alargámos o conjunto de pensionistas que em qualquer situação terão sempre o valor da sua pensão atualizada pela inflação.

A partir dos 800 e tal euros, pela inflação – que é de 0,7% -, menos 0,5 pontos. Ou seja, estamos a falar de 0,2%.

Mas previa que, até ao que é hoje, 633 euros, que é o valor de 1,5 IAS (estes palavrões para quem nos está a ouvir significam menos…)

Mas é importante porque o aumento do indexante do apoio social [IAS] beneficia toda gente.

Mas para além disso era até 1,5 IAS que se garantia a atualização com o regime de inflação.

E agora é dois IAS.

E agora é dois IAS. E isto é importante porquê? Porque não é apenas para este ano. No futuro, à volta de 85% das pensões todos os anos têm garantido que não perdem poder de compra. A lei diz- -lhes isso, e é uma mudança introduzida neste Orçamento.

Já falou sobre essa matéria no passado, sobre quem contribuiu muito e pode querer antecipar a reforma porque – e o exemplo foi dado por si – pode ter 60 anos e ter trabalhado desde os 20, o que significa que tem 40 anos de descontos. Vai avançar ou não, essa compensação pela penalização que existe, que é de 0,5 por cada mês de antecipação?

Vai avançar. Nós temos o compromisso de o fazer até ao final do ano, isso está a ser trabalhado.

Significa que é no Orçamento do próximo ano.

Não, nós não precisamos de uma alteração orçamental para fazer essa introdução, nós antecipámos esses custos na estimativa orçamental que temos. O valor das pensões está a crescer uni pouco abaixo do que eram as previsões, o valor global.

E essa compensação, sendo que a penalização é de 0,5% por cada mês de antecipação…

Aquilo que eu gostaria que conseguíssemos era não apenas privilegiar, diferenciar pessoas com longas carreiras contributivas, mas fazer que essa diferença fosse tanto maior quanto maior é a carreira. Eu explico de uma forma muito simples: uma pessoa ter 45 anos de carreira ou 48 anos não são só mais três anos, é uma vida inteira a trabalhar e, portanto, eu gostaria que o sistema de compensação fosse sensível a esse fenómeno. Isto é um episódio da nossa história, não havia no passado, porque não havia sistemas de proteção e não vai haver no futuro, porque já ninguém entra a trabalhar com a idade de criança. Portanto é um problema transitório, que tem de ser estudado com cuidado para ser justo. Até ao final do ano, teremos uma proposta em cima da mesa.

Pelo facto de a esperança média de vida ser cada vez maior, com uma natalidade baixa, a pressão sobre o futuro da Segurança Social é permanente. Fala-se tanto do plano de reformas do Estado… não é necessário reformar urgentemente o sistema, eventualmente ainda nesta legislatura?

Eu não tenho essa visão. Aí discordo de outras pessoas e de certos analistas. Estas questões não se resolvem porque há um dia em que quatro ou cinco crânios, como costumamos dizer, têm uma ideia, estalam os dedos.

É o autor da última reforma da Segurança Social.

Foi uma reforma que era preciso ser feita e aí, sim, é preciso gerir com uma lógica reformista, mas não precisamos de estar sempre a mudar tudo, nem é conveniente estarmos sempre a mudar tudo. O que é que essa reforma trouxe de novo? Introduziu dois fatores de mudança, um novo, outro incremental que são muito profundos. Um é o aumento da idade da reforma em função da esperança média de vida, outro é acelerar o processo de contagem de toda a carreira contributiva.

Mas então deixe-me fazer a pergunta ao contrário. Não havendo necessidade de uma reforma generalizada, o que é que é urgente alterar neste momento?

Eu tenho dito e reafirmo que há duas questões que são fundamentais. Uma é devolver ao sistema de Segurança Social estabilidade, retirar fatores de instabilidade como seja, por exemplo, estar permanentemente a pôr em causa qual é o valor da reforma no ano seguinte.

Mas sabe que ninguém acredita. Eu tenho 52 anos e tenho dúvidas.

O meu papel, e não estou a dizê-lo porque é a responsabilidade de um político…

Mas é o politicamente correto: não preciso de me preocupar porque vou ter. Mas as pessoas não acreditam nisso.

Não acreditam nisso, mas também não acreditam nisso porque, peço desculpa, há muita gente interessada em que não acreditem.

Os fundos privados que às vezes até vão à falência, já o ouvi falar pobre isso.

Não quero especular sobre isso, mas tantas vezes eu vi no mesmo órgão de comunicação pôr-se em causa a sustentabilidade da Segurança Social e ao lado haver um anúncio de um fundo privado de pensões…

Podia ter denunciado isso.

Aliás, tempos houve em que esses estudos de demonstração da insustentabilidade eram sazonais, eram feitos por altura do fim do ano, quando as pessoas podiam pôr dinheiro nos fundos de poupança-reforma. Agora, aquilo que eu gostava de valorizar é essa dimensão de garantir estabilidade ao sistema. Hoje as contribuições estão a crescer acima da despesa contributiva, é um fator de enorme significado. E que ninguém pense que qualquer reforma da Segurança Social, aqui ou em qualquer parte do mundo, melhora aquilo que está por trás da Segurança Social, que é a economia. A grande resposta para a sustentabilidade de qualquer sistema de Segurança Social, seja qual foro modelo, é haver melhor economia e mais emprego. Como sabem, quando foi aprovada a lei da reforma da Segurança Social, foi introduzida uma obrigação de todos os anos o governo, no Orçamento, apresentar um estudo de longo prazo. E lá está, normalmente as pessoas não dedicam muita atenção, mas o que é que prova o estudo deste ano? Prova que a evolução económica e algumas medidas que foram tomadas também no plano fiscal – provavelmente logo falaremos delas – vão aumentar o período de equilíbrio da Segurança Social em mais seis anos.

“O Presidente é um dos fatores de estabilidade”

Vamos olhar para a concertação social. Quando é que se realiza a reunião que vai decidir o valor do salário mínimo em 2017?

Temos na próxima semana um debate de concertação social sobre o Orçamento do Estado (OE), o que também não era uma prática muito comum. O governo vai à concertação social discutir o OE, ouvira opinião dos parceiros e levá-la em linha de conta para o debate na generalidade e para o debate na especialidade, e só depois disso é que [se realiza a reunião]. Não está marcada ainda a data, mas será obviamente nas próximas semanas, [para discutir] a atualização do salário mínimo que é feita em janeiro. Há tempo, não muito, mas o suficiente para haver uma discussão séria, profunda. Sempre foi uma questão difícil.

Como é que se vai resolver entre o que pretende, por exemplo, a CGT P, que quer 600 euros, e os patrões, que assumidamente terão dificuldades em aceitar valores acimados 540? Se não houver acordo a este nível, o governo vai impor os 557 euros que negociou com o Bloco de Esquerda?

Não vou antecipar o que é que o governo fará porque não quero queimar etapas nesse sentido.

Isto é uma notícia pública.

Isso também levava a uma discussão muito longa, mas até 2006 o salário mínimo era fixado conforme a lei. A lei o que é que diz? O governo fixa o salário mínimo ouvindo os parceiros – e era o que fazia, ouvia os parceiros sociais, um dizia 100 outro dizia 50 e o governo decidia.

Na prática, é assim que vai continuar a funcionar.

Não, porque desde 2006 houve sempre acordos.

Mas se não houver…

Se não houver o governo tem de assumir a sua responsabilidade. Mas é verdadeiro ou não o valor de 557 euros que está anunciado?

Isso é público.

Então não é antecipara posição do governo. Se não houver acordo será 557 euros.

Será aquilo que o governo determinar, tem de haver um decreto-lei. É público, há esse compromisso, obviamente que há sempre margens de ajustamento em qualquer decisão.

Será difícil que seja abaixo dos 557 euros.

Não, neste momento considero que seria muito importante e positivo para o país que existisse um acordo de médio prazo e só colocar a questão dos 557 euros, dos 555 ou dos 540 ou dos 600 euros para 2017 depois de esgotar.

Este acordo para o salário mínimo não será apenas um acordo para o salário mínimo. Será mais abrangente, ou as matérias serão separadas?

Eu gostaria que fosse.

Vai mexer na legislação laboral? O PCP tem feito bandeira disso, a procura do desbloqueamento da contratação coletiva no privado e no público.

Desbloquear a contratação coletiva não é uma reivindicação do PCP nem da CGTP, é uma reivindicação nacional.

Os patrões não estão nada satisfeitos com essa perspetiva. Tudo o que seja alteração na legislação laborai e nos contratos coletivos…

Qualquer empresário com uma perspetiva de futuro gosta mais de ter previsibilidade, e a contratação coletiva aumenta a previsibilidade. Eu não creio que os patrões ou os empregadores sejam contra a contratação coletiva. Agora, melhorar a contratação coletiva não passa necessariamente por ações coletivas, passa por atitudes dos parceiros e do governo.

Pergunto-lhe se a facilidade com que o PCP e o Bloco deixaram entender que aprovarão o OE, mesmo tendo feito algumas críticas, significa que a geringonça está de boa saúde e se recomenda?

A solução política que temos- que alguém apelidou de geringonça e que pegou, e hoje é mais um termo carinhoso do que depreciativo- julgo que é uma solução que cada vez mais dá maior tranquilidade, paz social e capacidade para definirmos um caminho melhor. E também mais voz na Europa.

O BE tem melhores resultados do que o PCP porque é mais persuasivo ou porque é mais razoável naquilo que pede?

Não faço essa análise. Ontem tive a oportunidade de ouvir a primeira reação do PCP à proposta de orçamento e, se a memória não me falha, identificaram cinco ou seis pontos em que se reconheceram nas propostas de alteração do orçamento. Não acho que haja, desse ponto de vista, ganhadores ou perdedores. Acho que há um contributo dos diferentes parceiros, também com o Partido Ecologista Os Verdes. Um contributo que conjuntamente com o PS constrói esta solução. Não tenho nada a ideia de que haja um parceiro preferencial, não há de todo.

O PCP vai apresentar candidatos em todos os municípios nas próximas eleições autárquicas. Essas eleições vão ser um teste à solidez da coligação parlamentar?

Desse ponto de vista não creio que seja. Obviamente, não quero fazer aqui um exercício de hipocrisia e dizer que os resultados autárquicos não têm nenhuma influência, mas em todo caso, do ponto de vista daquilo que suporta, que deu fundamento a este acordo como solução governativa, não creio que tenha influência.

O próprio Presidente da República, relativamente a esta matéria, já considerou que há um ciclo político que termina com essas eleições, afirmando não querer provocar instabilidade até lá. E tendo aliás alguns dirigentes do PS dito que não percebiam muito bem porque é que ele estava a falar disto nestes termos. Acha que Marcelo Rebelo de Sousa não precisa de estar ansioso quanto ao que pode acontecer em termos de jogo político com as autárquicas?

Sobre os níveis de ansiedade do Presidente, não sou a melhor pessoa para comentar. Agora, o que eu posso dizer com toda a segurança é que o Presidente da República é um dos fatores de estabilidade no nosso país e a estabilidade tem valor.

Trabalhou de perto, embora como secretário de Estado numa fase e como ministro noutra, com três primeiros-ministros -António Guterres, José Sócrates e agora António Costa. Com qual destes chefes de governo é mais fácil trabalhar?

É sempre difícil trabalhar com qualquer chefe de governo – não faço aí nenhuma distinção. O lugar de chefe de governo é um lugar de enorme dificuldade, é em muitos aspetos aquele lugar onde não há mais ninguém atrás, em que uma pessoa vai para a cama à noite a pensar que de manhã tem de ter uma solução para os problemas. Não queria fazer distinções. Tento fazer o meu trabalho, tento estar bem comigo próprio, chegar também ao fim do dia e achar que não fiz demasiadas coisas mal e as outras questões para mim são de pouca importância.

Foi mesmo o primeiro-ministro que teve de vir fechar o dossiê das pensões no dia de aprovar o orçamento?

Não tenho ideia disso.

Está anunciado em vários lugares.

Eu não posso…

Foi consigo? Pergunto-lhe se já o tinha fechado?

Uma negociação só está fechada quando se fecham todos os temas. Portanto as pensões e outros aspetos não estão separados. Quando estou a negociar, por exemplo, na concertação social, tenho mais capacidade de ir ao encontro de um parceiro neste ponto se ele for ao encontro da minha visão noutro. E foi isso que se passou, é sempre isso que se passa.