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Uma revolução política para salvar o projeto europeu

Uma revolução política para salvar o projeto europeu

O ex-ministro das Finanças do governo grego lançou há semanas o DiEM25, movimento que se junta à exigência de democratização da União Europeia. Apesar das suas controvérsias no eurogrupo, Varoufakis continua a acreditar que o projeto europeu precisa de ser dfndido pelos progressistas. Aceitou falar em exclusivo ao AS Digital, numa entrevista conduzida pelo diretor convidado, Rui Tavares.

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Uma revolução política para salvar o projeto europeu

Obrigado por aceitares fazer esta entrevista, Yanis. Em primeiro lugar, como tens sentido a mobilização em torno do DiEM25?

Estou avassalado pelo entusiasmo em torno da ideia, pelos grandes números de pessoas que se querem juntar à ideia da democratização da União Europeia, pelo facto de haver pessoas a organizar secções locais do movimento. Estou também muito contente porque organizações já existentes, — como sindicatos, partidos e associações — estão também a aderir ou a colaborar conosco. As pessoas estão a responder à enorme necessidade que existe deste tipo de “coligações” amplas entre pessoas e organizações a um nível pan-europeu. Portanto, estamos contentes.

Às vezes penso que o objetivo do DiEM25 na UE é semelhante ao de Bernie Sanders nos EUA: explicar que só uma revolução política, juntando milhões de pessoas, poderá convencer os atuais políticos a mudar. Mas na Europa as coisas parecem mais complicadas, com mais países, mais línguas e uma opinião pública mais fragmentada. Que fazer?

Precisamos sim de uma revolução política — para salvar a União Europeia que temos. A ideia de que a União Europeia pode continuar como está, sem responder a ideias muito simples de democratização da União como aquelas que estamos a propor, não passa de uma fantasia. Se não conseguirmos levar a cabo uma revolução política para democratizar a União Europeia, se não conseguirmos ao menos estabilizar as várias sub-crises que são parte da crise mais alargada em que estamos e que está a causar a fragmentação da União Europeia, a União Europeia deixará de existir. Apesar de todas as dificuldades, há que por de pé essa revolução política para salvar o projeto europeu.

Mas, Yanis, muita gente te dirá — incluindo muitos dos nossos camaradas à esquerda — que é melhor não salvar o projeto europeu. E dirão que tu mesmo, com a tua participação no eurogrupo, és a prova de que a União Europeia nunca tratará os seus estados-membros com igualdade. A conclusão que tiram é que o colapso da União Europeia não é uma coisa má e que precisamos de sair a todo o custo. Muitos ficam até espantados que depois do que se passou tu queiras salvar a UE e não apressar o seu colapso. Que resposta lhes dás?

Estes amigos e camaradas têm bons instintos, mas estão a deixá-los serem levados até conclusões que são erradas. Os seus instintos dizem-lhes que a União Europeia é hoje antipática à democracia e até à racionalidade, e têm bastante razão. Basta participar nestas reuniões em Bruxelas e Estrasburgo para concordar que isso é verdade. Mas daí até à conclusão de que estaríamos melhor com o colapso da União Europeia vai uma enorme distância. E é um erro. É um erro pela mesma razão que na década de 1930 a desintegração da Europa daquela era — que também não era uma boa Europa — trouxe desenvolvimentos que não levaram ao estabelecimento de regimes progressistas na Europa, não levaram a esquerda ao poder, não levaram a nenhum tipo de esclarecimento ou iluminismo, mas trouxeram o racismo, trouxeram o fascismo, trouxeram o nacionalismo, e acabaram virando cada nação europeia contra as outras, e cada europeu contra o europeu do lado. Portanto, é verdade que a luta para democratizar a União Europeia não será facilmente vitoriosa, mas daí a pensar que devemos abandoná-la, deixar o projeto europeu colapsar e regressar aos estados-membros, é um engano.

Quando estavas no governo grego dizias que era necessário ter aliados no eurogrupo. Como viste a mudança do governo em Portugal depois de já teres saído do governo grego?

Fiquei aliviado por ver os bons portugueses rejeitar a “narrativa de sucesso” com que o eurogrupo queria retratar o caso português. A troica queria fazer passar a ideia de que o seu trabalho em Portugal tinha sido coroado pelo êxito, e ver que os portugueses não compraram esta ideia deixou-me muito aliviado. Estou muito grato pela mudança de governo em Portugal e por essas mentiras [da troika] terem sido rejeitadas. Dito isto, se por um lado fico feliz com a formação de um governo progressista em Portugal, fico triste por ver que até para esse governo ser formado houve quem quisesse que ele aceitasse todos os parâmetros das políticas anteriores. Esta ideia de que é preciso aceitar que não se pode mudar nada foi a mesma com que o Doutor Schäuble me recebeu no eurogrupo — e é preciso rejeitá-la.

O nosso primeiro-ministro, António Costa, também subscreve a ideia de que são necessários mais países aliados no eurogrupo para mudar as suas políticas. Já tivemos mudanças políticas na Grécia e em Portugal, não sabemos o que vai acontecer em Espanha… acreditas que é possível fazer as mudanças necessárias a partir dos governos nacionais? E qual será o ponto de viragem?

Não há qualquer dúvida de que a eleição de governos progressistas nos estados da UE é uma coisa excelente. É muito importante que esses estados possam procurar alianças para alterar as políticas do eurogrupo. Não tenho dúvidas de que essa é uma boa estratégia. O meu receio é que não seja suficiente esperar que outros países vão mudando — a França, Itália, etc. E que não aconteça suficientemente rápido, se pensarmos em países como a Alemanha, a Eslováquia, etc. Portanto para os próximos meses e talvez até anos estaríamos ainda condenados a políticas como as da troica. E assim um povo como o português acabaria por ficar frustrado e a democracia sofreria outro revés. É por isso que eu não acho que possamos ficar só ao nível de partidos nacionais a concorrerem em eleições nacionais. Estou convencido que precisamos de política ao nível europeu para complementar a mudança de política ao nível nacional que está a ocorrer em alguns países. Estas duas estratégias não são contraditórias, nem incompatíveis. Há que ganhar eleições ao nível nacional e tentar governar de forma a melhorar a situação em cada um dos países. O que digo é que é também necessário um movimento democrático espalhado por toda a União Europeia a tentar mudar as coisas em todo o lado ao mesmo tempo.

Para fazer o que propões, é necessário que os governos e os políticos nacionais falem de forma mais direta à opinião pública dos outros países. Que lições tiras das tuas tentativas de fazer o mesmo?

Na verdade, essa é a minha grande esperança. Nos últimos cinco ou seis meses tive experiências muito felizes. Há um enorme interesse e entusiasmo nos países e lugares mais inesperados: na Alemanha, na Áustria, na Holanda, na Finlândia. É preciso estimular este debate pan-europeu e tentar falar aos corações e às cabeças das pessoas do outro lado da fronteira. Tem sido uma experiência fantástica e ajudou-me a entender que as esperanças de poder fazer a mudança através da opinião pública europeia não são esperanças fúteis.

Talvez uma última pergunta, a preparar para debates futuros. Não achas que as discussões que estamos a ter na União Europeia são, no fundo, um substituto para um debate sobre a globalização? Não te deixa desconfortável — como a mim me deixa — que todos os nossos instintos de esquerda sejam de internacionalismo e cosmopolitismo mas que o estado atual da globalização esteja precisamente a minar os nossos fundamentos ideológicos? O nosso povo está zangado com a globalização, mas não podemos responder à globalização como respondem Marine Le Pen ou Nigel Farage. Como superar esta grande crise no pensamento progressista em todo o mundo? Sei que é uma grande pergunta…

Mas a resposta pode até ser muito simples. Temos de distinguir muito claramente globalização e internacionalismo. O que está a ser globalizado são essencialmente os mercados financeiros e os fluxos de capitais. O processo de globalização não está a ser um processo de solidariedade internacional. Os capitais e as mercadorias circulam livremente pelo mundo, ao passo que as pessoas estão barricadas por detrás de vedações e arame farpado. O internacionalismo baseia-se na liberdade de circulação das pessoas, na solidariedade e na comunhão entre seres humanos de todo o planeta, o que tem pouco a ver com os capitais serem capazes de atravessar jurisdições com toda esta facilidade. A nossa agenda terá de partir desta distinção, explicando muito claramente que a globalização que existe hoje é anti-internacionalista: significa mais fronteiras e menos solidariedade.