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Um acordo político tem de ser lido politicamente

Um acordo político tem de ser lido politicamente

Os três textos subscritos pelo PS com o BE, o PCP e o PEV constituem um acordo político, cujo objetivo é apoiar a formação de um governo do PS, impedindo a sua rejeição no Parlamento, e assegurar as condições de estabilidade que lhe permitam executar o seu programa, no quadro da presente legislatura.

Opinião de:

Um acordo político tem de ser lido politicamente

Este é o significado político do acordo, o seu único significado político.

Para chegar aqui, os partidos tiveram de evoluir nas suas posições e procurar chegar a entendimentos uns com os outros. A história e as expectativas dos partidos explicam os diferentes textos a que chegaram e a base comum que deles resulta. O Partido Socialista queria erguer uma plataforma de máximo entendimento: um único texto de acordo e a materialização do compromisso político através de um Governo de coligação. O desenlace das negociações ficou aquém: entendimentos bilaterais, apoio parlamentar sem participação no Governo. Os historiadores terão oportunidade de analisar e explicar as vicissitudes deste caminho concreto de aproximação na esquerda portuguesa.

Não foi e não é um caminho fácil. Nem é linear. Nem colhe a unanimidade interna em nenhum dos partidos, nem nos respetivos eleitorados. É, portanto, natural que, em particular no PS, se ouçam vozes críticas. Além de natural, é salutar. Já aqui escrevi, e repito, que a tarefa mais imediata do novo Governo tem de ser re-unir os portugueses.

Nada disto retira, porém, significado ao acordo alcançado, nem altera o seu conteúdo político.

Em primeiro lugar, o acordo deu sentido à rejeição do programa de Passos Coelho e Paulo Portas, isto é, a recusa da continuação das mesmas políticas dos últimos quatro anos. Esse programa pôde ser rejeitado exatamente porque o Parlamento dispunha de uma alternativa positiva, construtiva, isto é, condições para constituir um outro Governo.

Em segundo lugar, o acordo exprime um compromisso de que as partes signatárias colhem todas benefícios – o que é um fator quase “sine qua non” para a solidez dos compromissos. Basicamente, BE e PCP podem legitimamente reclamar que é por sua influência que é acelerado o ritmo de reposição dos salários na função pública e são afastadas medidas de reforma do sistema de proteção social, propostas do PS, que lhes mereceram críticas. Do seu lado, o PS fica em condições de aplicar o seu programa, isto é, reorientar a política económica e orçamental no sentido do crescimento e do fortalecimento do tecido social, no respeito pelas regras da União Económica e Monetária.

O que significa, em terceiro lugar, que o acordo celebrado pelas esquerdas portuguesas só tem uma leitura política possível. BE e PCP comprometem-se a viabilizar um Governo do PS, aplicando o seu programa de Governo, no quadro europeu e internacional a que Portugal pertence.

Esta é, verdadeiramente, a novidade histórica do acordo. E por isso é tão importante que resulte. Ter a esquerda toda a reconhecer finalmente, por um lado, que o PS se distingue claramente da direita e, por outro lado, que um programa político moderado traz às pessoas os benefícios que o radicalismo ideológico lhes sonegou, é ultrapassar finalmente o nosso Cabo das Tormentas.

Isto é, poder doravante chamar-lhe Cabo da Boa Esperança.