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Portugal e o Brexit II

Portugal e o Brexit II

Ninguém pode prever, com um mínimo de certeza, os efeitos que, da anunciada saída do Reino Unido da União Europeia, resultarão para os diversos países que fazem parte do « club ». Uma coisa é certa : o abandono da segunda economia da União, que é também o seu segundo contribuinte líquido, da sua primeira potência militar, de um relevante membro do G8, com lugar permanente no Conselho de Segurança, não deixará de ter consequências no equilíbrio dos « vinte e sete » restantes. Como sempre acontece na vida da Europa, os efeitos dos acontecimentos serão sempre assimétricos entre os Estados membros, pelo que a posição de cada país no quadro negocial que aí vem não será necessariamente a mesma.

Opinião de:

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Quando, há uns meses, os líderes europeus ofereceram ao Reino Unido um conjunto de « facilidades », que reforçavam as « exceções » de que Londres já beneficiava, fizeram-no já à luz daquilo que era o denominador comum dos interesses a salvaguardar. Na altura, tratava-se de oferecer a Londres peças para um argumentário que pudesse convencer os seus eleitores a decidirem-se pela permanência na União. Ao não ter funcionado, esse compromissos caducou, mas nele não deixam de estar representados alguns dos pontos que nos interessa observar para o futuro.

Portugal deve olhar para a saída do Reino Unido com alguma frieza estratégica. Com exceção das questões de segurança e defesa, Londres nunca foi um parceiro determinante na gestão da nossa política de alianças no quadro europeu. O auto-isolamento a que sempre se confinou no processo integrador não ia de par com o tropismo integracionista que prevaleceu em Lisboa, em boa parte destas três décadas da nossa participação no processo comunitário. 

Mas, nem por isso, Portugal não deixará de « sentir a falta” de Londres na “balança de poderes” continental. Isso será seguramente evidente em alguns quadros de relações externas da União, como sejam a África, a América Latina e a relação transatlântica – que não serão as mesmas sem Londres “a bordo”. E sê-lo-á, com alguma probabilidade, nos novos projetos de “agregação” de Estados em torno de modelos de integração diferenciada que por aí já andam a ser sugeridos, em torno de “núcleos duros” que se sugerem como os condutores do futuro da União.

Mas essas são as consequências inevitáveis e, como a vida nos ensina, não vale a pena chorar sobre leite derramado. Há apenas que estar atento e procurar consensualizar internamente algumas linhas mestras orientadoras, que permitam à nossa diplomacia atuar com uma retaguarda política sólida. Isso foi feito com êxito no passado e só podemos esperar que as clivagens políticas não acabem por se refletir sobre as posições oficiais externas do Estado no futuro.

Dito isto, há que considerar que, tal como referido no início do texto, há interesses específicos que Portugal tem de cuidar, naquilo que vier a ser o saldo da negociação que aí vem com o Reino Unido. Mas quem fará essa negociação não somos nós, é a União, através da Comissão, pelo que é na definição do respetivo mandato negocial que o essencial dos nossos interesses ficará, ou não, preservado. A ideia de que a “Velha Aliança” tem para aqui alguma relevância é uma inocência patética. Procurar bilateralizar com Londres algumas questões só agravaria a exposição das nossas debilidades e fragilizaria a nossa posição. É essencial conseguir transformar os nossos interesses em interesses europeus.

A preocupação central que deve orientar Portugal no futuro imediato da sua diplomacia europeia é a fixação, com o maior rigor possível, dos interesses próprios que possam estar potencialmente em risco na retirada do Reino Unido das políticas comunitárias. Como tem sido observado, eles situam-se, esmagadoramente, nas questões que decorrem dos temas da livre circulação de pessoas e suas consequências, nomeadamente em matéria de prestações sociais. É aí que devemos concentrar esforços e isso passa, desde já, por identificar os parceiros comunitários que comungam dessas preocupações e com os quais há que constituir, desde muito cedo, uma rede pontual e específica de alianças. 

O maior erro que Portugal poderia cometer no quadro da negociação futura do Brexit seria esperar para ver o projeto de mandato que a Comissão irá apresentar ao Estados membros, na sequência da invocação por Londres do artigo 50° do Tratado de Lisboa, que, cedo ou tarde, aí virá. É a montante dos primeiros esboços desse mandato – que todos sabemos estar já a ser esquissado no seio da Comissão – que a diplomacia portuguesa deve atuar. Se o fizer isoladamente, Portugal está condenado a um rotundo fracasso, dada a sua fragilidade e irrelevância, nos dias que correm, na máquina europeia. Para ser eficaz, a intervenção de Portugal tem de ser imediata, junto dos Estados membros com problemas similares, avançando com propostas concretas de orientação que a Comissão deva acolher no seu mandato e gizando posições comuns possíveis, onde os nossos interesses (também) estejam refletidos. É preciso que a diplomacia portuguesa entenda que a negociação do Brexit já começou. Ontem.