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“Por mares nunca dantes navegados…” O microbioma e a obesidade

“Por mares nunca dantes navegados…” O microbioma e a obesidade

Não foi há muito tempo que passamos a saber que, apesar do número gigantesco e da grande diversidade de células humanas que constituem o nosso corpo, transportamos connosco um número aproximadamente dez vezes superior de células que não são humanas. São bactérias e fungos, que conjuntamente designamos por microrganismos e a que damos o nome de microbioma.

Opinião de:

“Por mares nunca dantes navegados…” O microbioma e a obesidade

Já sabíamos que muitos destes microrganismos tinham um papel importante, por exemplo, na digestão dos alimentos que consumimos. Quando por motivos variados (em viagem, no hospital, na gravidez, em stress, etc) mudamos a nossa dieta, sentimos alterações por vezes muito desagradáveis no nosso sistema digestivo (sobre as quais dispenso os promenores!!). Isto porque, não deverá surpreender ninguém que as dietas também determinem o nosso microbioma intestinal, e que, ao mudarmos de dieta, esse microbioma terá de se adaptar à nova situação, o que normalmente demora algum tempo. E também ao tomarmos antibióticos, eliminamos algumas destas bactérias, com efeitos semelhantes e conhecidos na nossa digestão.

Mas hoje começamos a perceber que este microbioma poderá ter uma importância muito maior. Resultados recentes mostram que certas bactérias no intestino são capazes, elas próprias, de digerir a gordura dos alimentos consumidos. Neste processo, os produtos finais dessa digestão bacteriana são moléculas mais pequenas, uma das quais é o acetato. Esta pequenina molécula tem efeitos surpreendentes. Quando transportada pelo sangue até ao cérebro, faz com que comecem a ser enviadas mensagens ao longo do nervo principal (o Vago) que liga o cérebro a vários órgãos. Um destes o pâncreas, levando ao aumento da sua produção de insulina.

Esta insulina por sua vez “dá ordens” muito claras às células gordas do corpo para armazenarem mais energia. Ou, por outras palavras, para armazenarem mais gordura, o que resulta obviamente numa acumulação de tecido gordo.

Mas o acetato parece ter ainda um efeito sistémico adicional e importante. Elevando as concentrações de grelina, a “hormona da fome”, aumenta o apetite dos animais. O resultado, aqui também, traduz-se numa acumulação de tecido gordo.

São portanto, pelo menos, dois os mecanismos mediados pelo acetato que podem levar a agravar a obesidade. E como este acetato é produzido exclusivamente por alguns tipos de bactérias, muitos investigadores acreditam que eliminando estas bactérias do nosso intestino, ou regulando melhor o seu metabolismo (geneticamente ou através de novos fármacos), poderíamos controlar de forma muito mais eficiente o flagelo da obesidade.   

Apesar de muitas destas pistas já terem sido testadas em animais, elas terão obviamente de ser testadas em humanos. Mas tudo indica que estamos num caminho promissor. E tudo isto para nem sequer falar do universo dos vírus (o nosso viroma) que é ainda mais complexo e diversificado e cujo papel no funcionamento dos organismos vivos só agora começa a ser conhecido. Quem me dera ser mais jovem para ajudar a responder a tantos mistérios.