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O iceberg da violência doméstica

O iceberg da violência doméstica

A violência doméstica é um tema atual, não apenas em Portugal, mas em todos os países. Apesar disso, não se trata de um problema novo, antes uma complexa questão social, de todos os tempos, que o devir comunitário e a crescente consciência coletiva sobre a dimensão e efetividade dos direitos vêm impondo.

Opinião de:

O iceberg da violência doméstica

No mês de fevereiro comemora-se o Dia dos Namorados, um dia que tem como desígnio celebrar relações saudáveis, de afeto positivo e respeito mútuo. No entanto, também é um dia que deve apelar a uma conscientização sobre um tema que tem repercussões graves do ponto de vista da saúde emocional e física, social, cultural e político, a violência doméstica, nomeadamente, a violência no namoro.

Conforme vários estudos demonstram, a agressividade nos relacionamentos entre adolescentes continua a aumentar, mesmo com várias ações de sensibilização e prevenção. Segundo dados da PSP e da GNR, o número de participações aumentou 6% entre 2015 e 2016; e, segundo dados da UMAR, um em cada quatro jovens considera normal violência no namoro.

Embora já se tenha feito muito nesta área, como por exemplo, ter sido aprovada em 2013 a alteração ao Código Penal que veio acrescentar ao artigo 152.º- relativo ao crime de violência doméstica – uma alínea para a violência no namoro. E o Partido Socialista (PS), e o Departamento Nacional das Mulheres Socialistas (DNMS) terem como objetivo desenvolver atividades e planos de ação que visam contribuir para a definição de uma Estratégia Nacional até 2020 para prevenir e combater a Violência de Género, na linha do previsto na Convenção de Istambul do Conselho da Europa, entre outras atividades já desenvolvidas; refira-se que o DNMS, no dia 25 de Novembro, na sede do PS, dinamizou uma sessão sobre a “Realidade Transgeracional na Violência de Género” com vários especialistas na área; bem como o governo, nomeadamente o Ministro Adjunto Eduardo Cabrita e a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Catarina Marcelino, apostarem fortemente nesta temática, tendo como linha reitora a mudança paradigmática da “cultura de violência instalada”, e.g. ter no terreno sete projetos de combate à violência no namoro, que atingirão mais de 15 mil jovens de todo o país, a criação de uma linha de apoio ao combate à violência no namoro, entre outros projetos, o tema da violência doméstica está longe de estar solucionado, ou pelos menos, atenuado.

Não basta apenas apostar na prevenção primária, é determinante também uma efetiva resposta no que concerne à prevenção secundária, isto é, na aplicação da lei. Tal constatação deriva de várias investigações neste âmbito, como as apresentadas pelo Observatório Permanente da Justiça, nos quais há a verificação que, apesar das queixas no âmbito da violência doméstica terem vindo a aumentar, “isto não se reflete num aumento de condenações. Em cada cinco queixas por violência doméstica, quatro são arquivadas, onde a insensibilidade, o preconceito e o sexismo estão na base de muitas decisões judiciais relacionadas com crimes de violência doméstica.”

Já em outra sede verificámos que a legislação abunda, por vezes com requintes de inutilidade, não bastando prever penas para dissuadir o crime, sendo necessário incutir na comunidade a convicção da certeza da penalização, ideia já preconizada no século XVIII por Beccaria, Para que se possa trabalhar seriamente na prevenção da violência doméstica, torna-se necessário adotar mecanismos jurídicos e institucionais idóneos, quando é certo que há uma predominância de decisões que privilegiam a não aplicação de medidas efetivas, mesmo em casos de reincidência, optam pela multa.

A questão da violência e, de resto, toda a problemática dos comportamentos violentos, deverá ser incluída nos curricula dos ensinos básico, secundário e superior, percorrendo a formação dos alunos de forma transversal, e integrando-se no projeto de educação para a cidadania plena. Esta medida visará consubstanciar a prevenção precoce dos comportamentos violentos em todos os seus graus e qualidades. Esta medida foi já apresentada pelo atual governo, onde a questão da violência e dos estereótipos de género vai começar a ser tratada nas salas de aula, do pré-escolar ao 12.º ano, a partir do próximo ano letivo.

A violência é, antes de tudo, uma questão grave de saúde pública e como tal deve ser equacionada pelos poderes nas políticas que constroem. Não pode haver espaço para híbridos culturais. É necessário perceber que a ideia contra violência deve ser substituída por uma ideia de tolerância zero à violência.