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O direito de todos à saúde

O direito de todos à saúde

O art.º 64.º (Saúde) da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece, no n.º1, que “Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover”. O Serviço Nacional da Saúde (SNS), previsto no n.º 2 do mesmo artigo, procurou tornar efetivo este direito e representou uma das maiores conquistas sociais do 25 de Abril, tendo efeitos decisivos, nomeadamente, na redução da mortalidade infantil e no aumento da esperança média de vida da população portuguesa.

Opinião de:

O direito de todos à saúde

A sua concretização ficou indissoluvelmente ligada à ação de António Arnaut como ministro dos Assuntos Sociais. Decorridas várias décadas, coube também a António Arnaut, em colaboração com João Semedo, propor Salvar o SNS, Uma nova Lei de Bases de Saúde para Defender a Democracia, com prefácio de D. Januário Torgal Ferreira (Porto Editora, 2017).

Num momento em que se anuncia uma revisão da Lei de Bases da Saúde, não podemos esquecer as dificuldades e incertezas dos imigrantes no acesso ao SNS e a grande mudança operada, neste domínio, com a publicação do Despacho n.º 25.360/20001 (Acesso à saúde por parte dos imigrantes), de 16 de novembro de 2001, pelo então ministro da Saúde, António Correia de Campos, depois de anos de porfiados esforços dos imigrantes e de instituições como o ACIME.

Aquele despacho, apoiando-se no art.º 12.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, nas convenções da Organização Internacional do Trabalho e do Conselho da Europa, ratificadas por Portugal, bem no n.º 2 do art.º 19.º da Constituição, afastou a exigência de reciprocidade no que se refere ao acesso ao Serviço Nacional de Saúde dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal [que não fossem cidadãos de Estados-membros da União Europeia] (Base XXV – n.º 3). Foi um enorme mérito deste diploma ter facultado aos cidadãos estrangeiros que residiam legalmente em Portugal o acesso aos cuidados de saúde e de assistência medicamentosa prestados pelas instituições e serviços que constituem o Serviço Nacional de Saúde. O diploma garantia mesmo, ainda que sob condições, o acesso dos imigrantes em situação irregular ao Serviço Nacional de Saúde. Quem não acompanhou as dificuldades dos imigrantes, inclusive de parturientes jovens e de crianças que viram, por vezes, negado o seu acesso aos cuidados de saúde nos anos que antecederam este despacho, não perceberá o marco que a sua publicação representou no reconhecimento dos direitos dos imigrantes em Portugal.

Não estamos por isso de acordo com a redação proposta por António Arnaut e João Semedo para a Base XXIX de uma nova Lei de Bases da Saúde, na qual se propõe:

“1. São beneficiários do SNS todos os cidadãos portugueses.

“2. São igualmente beneficiários do SNS os cidadãos nacionais de Estados-membros da União Europeia, nos termos das normas comunitárias aplicáveis.

“3. São ainda beneficiários do SNS os cidadãos estrangeiros que se encontrem em Portugal, designadamente, os legalmente residentes em Portugal, os imigrantes com ou sem a respetiva situação legalizada e os cidadãos apátridas, refugiados e exilados residentes em território nacional, nos termos definidos por lei.

“4. (…).”

Devemos retirar as devidas consequências do disposto no art.º 15.º da Constituição da República Portuguesa, que não excluiu os direitos a prestações sociais do princípio da equiparação de direitos entre nacionais e estrangeiros, ao contrário do que sucedia com a Constituição de 1933, como foi bem demonstrado, nomeadamente, pelo Juiz do Tribunal Constitucional, Mário Torres. Propomos, por isso, que o n.º 1 da futura lei de Bases de Saúde diga, simplesmente, “São beneficiários do Serviço Nacional de Saúde todos os cidadãos residentes em Portugal”.

Recorde-se que mesmo os imigrantes que se encontram em situação irregular necessitam, para se legalizarem, de descontar para a Segurança Social e de cumprir as obrigações fiscais de todos os outros cidadãos. A obrigações iguais devem também corresponder direitos iguais. Acresce que, pelo menos desde o despacho de António Correia de Campos, se entende que quando está em risco a saúde pública ou a saúde de parturientes e de recém-nascidos, terá de ser assegurada, sem restrições, o acesso ao Serviço Nacional de Saúde, ou seja, o acesso mesmo daqueles que estejam em situação irregular.

O direito à saúde é um direito de todos e, acrescentamos, no interesse de todos.