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“O direito à habitação pode ser respeitado no contexto da liberalização do mercado da habitação?”

“O direito à habitação pode ser respeitado no contexto da liberalização do mercado da habitação?”

“O direito à habitação pode ser respeitado no contexto da liberalização do mercado da habitação?”. Esta questão foi colocada por Leilani Farha, Relatora Especial das Nações Unidas para a Habitação Adequada, por ocasião da apresentação do relatório realizado sobre o direito à habitação em Portugal, ao Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, no passado dia 1 de março, em Genebra.

Opinião de:

“O direito à habitação pode ser respeitado no contexto da liberalização do mercado da habitação?”

De acordo com a especialista, só será possível garantir o direito à habitação, tal como está consagrado na Constituição da República Portuguesa (artº. 65º) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (nº.1 do artº. 25º), caso sejam implementadas “leis e salvaguardas orientadas pelos direitos humanos para as pessoas em situação económica precária”. Esta perceção é também partilhada pelos peritos nacionais que realizaram o estudo “Novas Dinâmicas Urbanas do Centro Histórico de Lisboa”, requisitado pelas Juntas de Freguesia de Santa Maria Maior e de São Vicente e, também, da Junta de Freguesia da Misericórdia, a qual tenho o privilégio de presidir.
O arrendamento urbano, enquanto modalidade de acesso à habitação, sofreu uma forte convulsão com a entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que veio proceder à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. O Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) assumiu-se como um instrumento que, tal como afirmou Leilani Farha, veio aumentar substancialmente a “facilidade com que as expulsões (das residências) podem ser realizadas”, quer através de despejos forçados, quer por via da não renovação dos contratos. O NRAU, “desenhado” pela anterior Ministra Assunção Cristas e apoiado pela então maioria da Direita, foi decisivo para a destabilização do mercado de arrendamento urbano, quer na função habitacional, quer na vertente do comércio, e veio comprometer os avanços alcançados nas ultimas décadas no que concerne ao acesso à habitação, visto que muitas famílias foram forçadas a abandonar os seus lares, onde, em inúmeros casos, viveram durante largas décadas. O NRAU veio alterar as relações entre senhorios e inquilinos, muitas delas baseadas na confiança mútua, mas que agora, face ao aumento da procura da habitação nos grandes centros urbanos, sobretudo nas cidades de Lisboa e do Porto, não resistiram à especulação imobiliária ou à tentação de obter ganhos financeiros imediatos, através da transformação dos lares das famílias em espaços de Alojamento Local para satisfazer a procura crescente associada, sobretudo, ao turismo. E todos os dias sou assolada com casos de pessoas desesperadas em virtude estarem a escassos dias de terem de abandonar involuntariamente a casa onde viveram desde criança, onde constituíram família, onde educaram os filhos e onde estão a ver crescer os netos. Para ilustrar o êxodo que está em curso nos bairros históricos de Lisboa, poderei referir que o centro histórico de Lisboa perdeu mais de 5000 residentes nos últimos 4 anos, dos quais cerca de 2000 moravam na Freguesia da Misericórdia, de onde, desde outubro de 2017, já saíram mais de 400 pessoas.
O turismo constitui uma atividade importante que deve ser promovida e incentivada, quer pela valorização do nosso país no exterior, quer pelo contributo que confere à economia nacional e local. Todavia, acautelar que as dinâmicas associadas ao turismo não comprometem a identidade das nossas cidades, não descaracterizam as culturas locais e, sobretudo, que as pessoas não vêm os seus direitos violados. Torna-se, por isso, fundamental implementar políticas públicas que conciliem os direitos económicos, sociais e culturais e a riqueza e crescimento económico, numa lógica de equilíbrio e sustentabilidade.
As iniciativas parlamentares apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PS, entre as quais destaco a Lei de Bases para a Habitação, e a nova geração de políticas de habitação anunciada recentemente pelo Governo, revelam que o PS não abdica de que o crescimento económico, a dinamização das atividades económicas e a afirmação de Portugal no mundo sejam conseguidos em harmonia com a salvaguarda e promoção dos princípios e valores constitucionais, onde o direito à habitação se inscreve. Esta será certamente a melhor forma do PS responder à Relatora Especial das Nações Unidas, Leilani Farha, pois, para o PS, As Pessoas Estão Primeiro.

Carla Madeira | Presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia e Dirigente Nacional PS