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NÓS E A GRÉCIA

NÓS E A GRÉCIA

Raramente uma questão internacional foi, no nosso regime democrático, tratada por um governo com tanta displicência como o tem sido o caso grego. Deselegância e desrespeito pela postura de um país aliado e amigo foi o que se viu, nas palavras ligeiras de altos responsáveis do Estado. Não fora o facto de se tratar de figuras com mandatos em fim-de-festa, tais gestos poderiam ter criado uma ferida profunda no nosso futuro relacionamento bilateral com Atenas.

Opinião de:

António Costa entrevistado na RTP 05.12.2016

O voto dos cidadãos gregos revelou um povo cansado com o rumo da austeridade que lhe foi imposta e que, em poucos anos, apenas contribuiu para agravar o seu quotidiano, gerando uma situação humanitária hoje verdadeiramente vergonhosa no espaço europeu. Respeitar o sentido profundo desse voto, entender o seu significado conjuntural e procurar ajudar a construir, no seio da União, uma resposta coletiva solidária que tivesse em conta a dimensão da tragédia com que a Grécia se confrontava teria sido a atitude de um governo responsável. Não foi assim que Portugal procedeu. Pelo contrário, assistiu-se ao espetáculo indigno de ver governantes proferir graçolas desrespeitosas, qual aprendizes de feiticeiro desejosos de se mostrarem zelosos seguidores de lições arrogantes.

Na Grécia como em Portugal, embora em escala diferente, a receita austeritária provou ser a resposta errada para uma saída sustentada da crise. Muitas das “melhorias” formais que essa terapia pareceu gerar não passam de um mero efeito colateral das políticas do BCE, que induziram um tempo de acalmia dos mercados o qual, no entanto, é abalado ao menor sinal de instabilidade, com efeito imediato nas taxas de juro. O “oásis” que o otimismo oficial, em época de saldos de propaganda pré-eleitoral, procura hoje vender é contraditado pelo montante da imensa dívida acumulada nos últimos anos, pelo drama da continuação da emigração forçada, pelas falências, pela brutalidade da carga fiscal, pelo elevado desemprego, bem como pelos escandalosos índices de pobreza e exclusão social. Ou será apenas por acaso que as agências de notação persistem em manter Portugal no nível “lixo”, não obstante termos os “cofres cheios”… de dívida?

É próprio de um governo sem sentido de Estado abordar, com leviandade, os imprevisíveis custos que uma eventual saída da Grécia da zona euro poderia acarretar para Portugal. O que sobre isto tem sido dito é a prova provada de que o nosso país não segue hoje qualquer política europeia coerente, vogando entre os sinais a que obedece, oriundo dos poderes fácticos do continente, parecendo feliz e contente com a irrelevância em que se deixou cair na ordem externa.