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Maturidade, pedagogia e teste histórico

Maturidade, pedagogia e teste histórico

Raramente o vencedor foi tão fraco e a oposição natural tão forte ao ponto de esta, unida, poder propor-se à governação com maioria absoluta. Mas pode a esquerda unir-se?

Opinião de:

Maturidade, pedagogia e teste histórico

O facto de não haver ainda uma resposta inequívoca acresce ao conjunto de singularidades que o resultado eleitoral nos trouxe. Estamos em mares nunca dantes navegados. 

Face a isto o que esperar do dia seguinte?

Em condições normais, e atendendo à crescente deriva para a direita de PSD e CDS e à sua manifesta indisponibilidade em estabelecer uma relação minimamente cooperante com o PS ao longo da última legislatura, o PS remeter-se-ia à oposição sendo pressionado para, salvo manifesta e inaceitável provocação da direita, viabilizar as peças fundamentais para a existência de um governo estável.

Mas estamos em condições normais?

Em condições normais a esquerda do PS não tem mais de um milhão de votos. Em condições normais, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa não teriam passado a campanha a ser desafiados por um número expressivo de eleitores a pedirem-lhes que se comprometessem com um entendimento à esquerda. Em condições normais, a frente de direita não concorre coligada nem não passa uma parte importante da campanha a acenar com o papão de uma frente de esquerda para tentar captar eleitorado centrista.

Estamos então num cenário em que os partidos à nossa esquerda captaram mais novos eleitores do que o Partido Socialista, em que BE e CDU repetidamente anunciam que estão disponíveis para assumir responsabilidades governativas e em que é possível um acordo que ofereça uma maioria absoluta no parlamento. Neste cenário, não vejo como o PS pudesse remeter-se à situação acima descrita das “condições normais” sem tentar, empenhadamente, atingir o entendimento necessário para viabilizar um governo estável.

Por muito que a repetida indisponibilidade de CDU e BE em assumir responsabilidades governativas tenha atrofiado as mentes de muitos democratas ao longo das últimas décadas, e por mais que a progressiva fulanização mediática com a conversão das campanhas em corridas de cavalos imputadas aos líderes partidários tenha distorcido a imagem do nosso regime parlamentar de pendor semipresidencial, em Portugal, a legitimidade dos mandatos é soberana para determinar o governo. Tal como em quase toda a Europa.

Será desta?

Olhando friamente para a história, o cenário mais provável é o fracasso. Mas não estamos em 1917, nem em 1975. Isso fará diferença? O PS dispôs-se, e bem, a investir capital político pagando para ver e, naturalmente, disponibilizando-se para algumas cedências. Mas tudo dependerá precisamente das negociações que, recordo, não se fazem entre o PS e uma frente unida, mas entre o PS e duas outras forças políticas bem diferentes. 

E se falhar? 

Restará a relevância de se perceber se o fracasso eventual se fundará na lentidão do movimento de transformação que poderá estar, de facto, em curso, à esquerda do PS, ou se o exercício pouco mais foi do que uma manobra algo caricata para iludir uma mudança exigida por uma parte importante do eleitorado e à qual à esquerda não se consegue dar resposta.

Que governo de esquerda?

Pegando no exemplo dos nossos parceiros europeus, o melhor mecanismo para alcançar o nível de comprometimento, que o PS deverá exigir, alcança-se com uma coligação em que todos partilhem diretamente responsabilidades governativas. Se tal não for possível, a estabilidade política será necessariamente mais frágil ainda que admita que um acordo suficientemente cristalino e com mecanismos de adaptação à realidade incerta dos próximos anos possa vir a justificar a assunção da governação.

Será possível? Ou teremos de reconhecer que nos afastámos pouco das “condições normais”? Em breve saberemos.