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Implantação da República: de súbditos a cidadãos – Mensagem de Ferro Rodrigues

Implantação da República: de súbditos a cidadãos – Mensagem de Ferro Rodrigues

Comemoram-se 110 anos da implantação da República, data indelével da História de Portugal, a partir da qual cada português deixou de ser um mero súbdito e se assumiu como cidadão do seu País, tomando nas suas mãos o destino da coisa pública.

A instituição de um regime republicano é, antes de mais, o ato de emancipação de um povo. A República não se compreende sem liberdade, sem democracia e sem respeito pelos direitos humanos.

E a ordem constitucional republicana, conforme consagrada na Constituição de 1911, é tributária da Declaração dos Direitos Homem e do Cidadão de 1789 e, também, da Revolução Liberal de 1820, que este ano celebra o seu bicentenário.

É certo que a realização da República ficou longe dos ideais mais progressistas proclamados à época. Como em todas as revoluções, as circunstâncias, as contradições e a própria inexperiência dos protagonistas conduziram a opções que não foram as ambicionadas, mas foram as possíveis. E a Revolução de outubro de 1910 teve uma história conturbada, decorrendo sob o espectro da ameaça permanente, em que a participação na Grande Guerra, que nunca foi popular, veio acentuar as divergências existentes no seio do regime, constituindo um dos fatores que levaram, a prazo, ao fim da 1.ª República.

Não se pode, contudo, negar o propósito de edificação de uma sociedade mais conforme com o interesse comum e a tentativa de cumprir desígnios indissociáveis do republicanismo, ainda que alguns só tenham tido a sua concretização décadas mais tarde.

De primordial importância foi a aprovação da Lei da Separação do Estado das Igrejas, essencial para a materialização do ensino obrigatório, gratuito e laico, mas que encontrou reflexos em áreas tão distintas como a do registo civil obrigatório e a da própria morte, ao atribuir caráter secular aos cemitérios, permitindo o seu acesso a todos os cultos religiosos.

A Revolução de Abril de 1974, que pôs fim ao interregno da Ditadura e nos devolveu a liberdade, veio aprofundar os ideais republicanos expressos em 1910. Essa é, também, uma das conquistas de Abril.

Se Portugal é, hoje, um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, deve-o às sementes lançadas na Revolução de 1910.

Eduardo Ferro Rodrigues

Lisboa, 5 de outubro de 2020