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Rangel quis “sujar a democracia” com ‘familygate’

Rangel quis “sujar a democracia” com ‘familygate’

Entrevista ao Jornal Expresso no dia 19 de abril de 2019

Pedro Marques recebeu o Expresso na sede do PS, no Largo do Rato, hora e meia antes de uma iniciativa de campanha com António Costa. Durante a
entrevista, apontou a um alvo: Paulo Rangel, do PSD, que tem subido nas sondagens. Acusa -o de “insultos e falsidades”, de faltar ao Parlamento Europeu para tratar do escritório de advogados e de alimentar populismos à boleia do ‘familygate’. Em relação a este caso, o socialista diz que valoriza, antes de mais, a “competência”.

P: Estas europeias são um voto de confiança no Governo, como disse António Costa?
R: Serão, inevitavelmente, uma avaliação do trabalho desenvolvido em Portugal. Normalmente, os partidos da oposição querem mostrar o cartão amarelo e o partido do Governo diz “vamos discutir a Europa”. Desta vez, estamos muito à vontade para discutir o que fizemos no país. E é coerente que assim seja, porque o nosso programa político para a Europa assenta muito naquilo que foi realizado cá: mais emprego e menos desigualdades,
com contas certas. Aquilo que a Europa dizia que não era possível
e que demonstrámos que era.

P: Historicamente, os partidos no Governo são penalizados nas europeias…Esta é uma boa estratégia?
R: Se o PS vencer estas europeias, será apenas a segunda vez que um partido no Governo o consegue. E o que vai a votos é muito importante: é a antítese entre o que se passou na legislatura anterior e o que se está
a passar na atual. É a antítese entre os projetos da esquerda e da direita europeia: o PPE candidata Manfred Weber a presidente da Comissão Europeia, que pediu sanções na força máxima contra Portugal.

P: Qual é a bitola? Basta ter mais do que os 31,4% de 2014?
R: A bitola é ganhar as eleições e ganhar de uma forma clara.

P: Isso dizia António José Seguro há cinco anos…
R: Percebo a sua curiosidade em querer métricas, mas a minha resposta é “ganhar e ganhar de forma clara”.

P: António Costa assumiu que era preciso um resultado melhor do que emP2014.
R: Comprometo-me a lutar por ganhar as eleições de forma clara. Claro que não quero ganhar por “poucochinho”. 

P: Seguro não ganhou de forma clara?
R: Parece-me evidente que não.

P: Se tiver um resultado abaixo das expectativas, é um cartão amarelo para o Governo?
R: Não. Será o resultado da candidatura que se apresenta às europeias.

P: Isso é paradoxal: diz que será feita uma avaliação do Governo, mas um eventual mau resultado será da sua responsabilidade…
R: Se o resultado for menos conseguido, há de ter que ver com o desempenho do cabeça de lista e da sua equipa.

P: Como interpreta a tendência registada nas sondagens, que dá o PS em perda consecutiva e o PSD a crescer?
R: Não há uma tendência de descida. Há um PSD que não existia,
que chegou a estar abaixo dos 20% quando andavam aos tiros uns aos outros. Agora, há um PSD que recuperou a normal influência junto do seu eleitorado. Mas não existem propostas do PSD para estas eleições. Só
insultos e falsidades. Essa é a minha grande frustração.

P: Teme que o PS seja prejudicado pelo ‘familygate’?
R: Isso foi trazido para a campanha por Paulo Rangel, e avisei
logo onde ia acabar: a sujar a democracia. Foi o que aconteceu, com os partidos a dizer “tu nomeaste mais do que eu”. É mais lenha para a fogueira dos populistas, e o PSD conseguiu aquilo que queria.

P: O que suja a democracia não é o PS ter um excesso de familiares nos gabinetes ministeriais?
R: Nas semanas seguintes, concluiu- se que toda a gente nomeou pessoas, certamente competentes, para o Governo que eram familiares de alguém. Até Cavaco Silva, que veio à campanha dizer que nunca tinha nomeado
ninguém, fê-lo.

P: O próprio primeiro-ministro considerou isto de tal forma grave que achou que se devia legislar.
R: Foi feita uma proposta de lei importante e que deu um sinal face a uma maior exigência dos portugueses. Mas insisto: o PSD conseguiu lançar uma cortina de fumo, mas não explicou, por exemplo, porque é que votou contra a medida dos passes sociais. Isso foi, de facto, penalizador para o PS.

P: E provocou-lhe um sobressalto ético? É compreensível a quantidade de nomeações de familiares no Governo?
R: O que me preocupa é se as pessoas são competentes e se estão a fazer o seu trabalho de forma competente. O meu maior sobressalto é o ataque que
isto representa à democracia.

P: Não lhe merece censura?
R: Já lhe disse: a mim preocupa–me que as pessoas sejam competentes.
Registo como positivo o facto de o PS, correspondendo ao sentimento das pessoas, ter acrescentado maior exigência nas nomeações políticas. Agora,
vamos ver como é que se posicionam os partidos que clamaram por mudanças nesta matéria.

P: Sente que está sozinho na campanha e que há uma “total ausência de combate político” no PS, como noticiou o “Público”?
R: Andamos há semanas pelo país, a falar com as pessoas, centenas, várias vezes milhares. Duvido que alguma vez algum partido tenha tido este dinamismo e esta mobilização numa pre-campanha eleitoral, a semanas
de umas eleições europeias.

P: É confortável c olar-se ao Governo na campanha? É acusado de falta de programa político…
R: Isso é extraordinário. Apresentámos um programa duas semanas depois de ter sido anunciado como cabeça de lista. Fomos sufragá-lo ao congresso do Partido Socialista Europeu, em Madrid. Não vejo como é que o programa com a ambição de fazer na Europa o que fizemos bem em Portugal pode ser “fácil”. Há quatro anos, na Europa, mas também aqui, diziam que íamos contra a parede. Paulo Rangel chegou a falar na ameaça de bancarrota. Era forma que ele tinha de defender Portugal no Parlamento Europeu…

P: Francisco Assis disse que não lhe conhecia pensamento político e é seu camarada de partido.
R: É, certamente. Mas, neste momento, tenho uma única preocupação: unir o partido. E deve ser essa a preocupação de todos os camaradas.

P: Foi uma forma de dividir o partido?
R: Durante a campanha eleitoral, estarei sempre aqui para unir o partido.

P: Como comenta as declarações de Mário Centeno de que não houve “mudanças dramáticas” na austeridade?
R: O Governo anterior tinha, como este, a ambição de pôr as contas em ordem. Tinha era uma maneira de o fazer completamente diferente: contração de procura interna versus estabilização e expansão da procura interna, apoio ao investimento privado e promoção das exportações.

P: O investimento público esteve abaixo do que foi registadoP durante a troika. É um dos responsáveis por isso…
R: Não. O investimento público cresceu significativamente no ano passado, está previsto este ano que cresça nos dois dígitos e o Programa de Estabilidade mantém essa trajetória. Dou-lhe um exemplo da ferrovia: mais
80% de crescimento do investimento só no ano passado. A base era muito baixa? Era.

P: Isso dá força às críticas de PSD e CDS, que o rotulam de “ministro da propaganda”?
R: O meu trabalho está aí para ser discutido. Infelizmente, não tenho nada para comentar sobre o trabalho dos meus adversários. Há um relatório que coloca Paulo Rangel em 597º lugar nos 751 deputados do Parlamento Europeu. Rangel faltou a uma em cada cinco votações. É um dos piores deputados do Parlamento Europeu…

P: Paulo Rangel é vice-presidente do PPE, tem outras tarefas…
R: E isso dá-lhe o direito de faltar a tantas votações, ao mesmo tempo que tinha trabalho como advogado no sector privado em Portugal? Em que é que isso melhor a vida dos portugueses?

P: Tem feito insinuações sobre o trabalho de Rangel como advogado. Quer concretizar?
R: Sugestões? É mesmo uma concretização: até 2016, Paulo Rangel foi advogado de negócios no sector privado enquanto faltava a quatro em cada cinco votações no Parlamento Europeu. Isto é compatível com o “banho
de ética” de Rui Rio?

“Precisamos de harmonização fiscal na UE”

O candidato socialista distancia-se dos parceiros de esquerdaem matéria europeia, defende as receitas próprias da União Europeia, e garante que
defenderá o Estado de direito, mesmo contra Governos do seu partido.

P: Do ponto de vista do pensamento europeu, está mais próximo
do PSD ou do BE e do PCP?

R: Estou onde está o PS. Em condições normais, a resposta
seria: “Estou mais próximo do PSD.” Infelizmente, o PSD, com
Manfred Weber e com a política de austeridade que continua a
defender, marcou muito as diferenças em relação a nós. Mas digo sem ambiguidade: estou muito distante do BE e do PCP em matérias europeias.

P: BE e PCP são parte integrante da onda populista?
R: O PCP é mais coerente num euroceticismo permanente. O BE parece ter um euroceticismo mais envergonhado, que me parece mais de oportunidade política do que outra coisa. Estruturalmente, o BE esteve sempre muito afastado do projeto europeu, mas agora tem feito um esforço para dizer que, afinal, nunca defendeu a saída do euro. Já ficou muito claro para os portugueses, sobretudo para os mais jovens, a desgraça que é esta ideia de desagregação do projeto europeu.

P: Num momento em que crescem os movimentos eurocéticos, discutir o fim do direito de veto nos impostos europeus parece-lhe avisado?
R: Somos a favor da criação de receitas a nível europeu até porque é a única forma de sermos coerentes com a ideia de que não pode haver cortes nas
políticas de coesão. O dinheiro tem de vir de algum lado. O tempo em que estamos é de avanço, e temos duas escolhas: ou regressamos aos nacionalismos ou avançamos no projeto europeu. Podemos é avançar a
várias velocidades.

P: Mas se o objetivo é mitigar os efeitos da concorrência fiscal dentro da UE, avançar a várias velocidades faz sentido?
R: Estamos a falar de matérias de combate à fraude e evasão fiscal. Lá muito mais à frente, falaremos de harmonização da base fiscal. Precisamos de fazer essa harmonização para que os Estados-membros deixem de fazer concorrência fiscal, porque essa concorrência é predatória para a coesão europeia. A certa altura, se todos puxarmos tão para baixo os impostos por
causa do vizinho do lado não temos como financiar o Estado social.

P: Tem criticado o PSD e o CDS por causa de Viktor Orbán e do Governo húngaro. No entanto, o PS não se tem demarcado de socialistas que têm problemas idênticos na Roménia e em Malta.

R: O PSD e o CDS não se demarcaram claramente. O que foi feito foi uma suspensão do partido Fidezs tão violenta que até foi feita por mútuo
acordo. Orbán veio dizer a seguir que, depois das eleições, logo decide se volta ao PPE. Do nosso lado, houve um congelamento unilateral das relações com a Roménia, caso que está a ser investigado pela Comissão Europeia. Para nós, nada é menos importante do que o respeito integral pelo Estado de direito democrático é aceitável. Não andámos a empurrar para baixo do tapete a situação do senhor Orbán durante cinco anos, como fez o PPE.

P: E Malta?
R: Malta foi alvo de uma investigação internacional, e o caso não tem sequer a mesma natureza. Mas sou claro: não tem cabimento na nossa família política o não cumprimento do Estado de direito democrático.
Se se justificar, pode ser iniciada uma investigação e serão tomadas decisões.

P: Ana Gomes manifestou-se publicamente: foram assassinados
jornalistas que investigavam esquemas de corrupção…

R: Foi feita uma investigação judicial e internacional que tirou as conclusões que entendeu. A Comissão Europeia pode fazer mais caminho nessa matéria. Quando ou se acionarem os instrumentos de verificação do Estado de direito democrático, retirarei as minhas conclusões.