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Entrevista a Graça Fonseca: “Até acho que a Cultura devia pedir mais do que 1% do Orçamento”

Entrevista a Graça Fonseca: “Até acho que a Cultura devia pedir mais do que 1% do Orçamento”

(Entrevista originalmente publicada para o suplemento Ípsilon do jornal Público, feita por Inês Nadais e São José Almeida. Fotos de Rui Gaudêncio)
Graça Fonseca por Rui Gaudêncio

Depois das polémicas acesas em torno da Lei do Cinema e do modelo de apoio às artes, Graça Fonseca acredita que o meio está pacificado. A descentralização das colecções de arte do Estado é agora uma das suas prioridades: o Museu do Chiado terá um pólo em Chaves e a Colecção de Fotografia do Novo Banco deverá mesmo ir para Coimbra.

Chamada em Outubro a tutelar (e a pacificar) uma área que deu ao Governo mais problemas do que o primeiro-ministro esperaria, a ex-secretária de Estado da Modernização Administrativa Graça Fonseca assume estar a pensar as políticas públicas para a Cultura numa lógica de médio a longo prazo, bem para lá do curto horizonte deste mandato. É nessa perspectiva “duradoura” que a meta simbólica do 1% do Orçamento de Estado (OE) para a Cultura até pode revelar-se insuficiente, mas para reivindicar mais, argumenta, é preciso definir primeiro porquê e para quê. Ultrapassadas as tormentas da Lei do Cinema e do modelo de apoio às artes, a terceira ministra da Cultura desta legislatura está agora focada na concretização do novo regime de autonomia de gestão para os museus, monumentos e palácios nacionais e numa gestão descentralizada das colecções do Estado.

António Costa restabeleceu o Ministério da Cultura (MC) no organograma do Governo, mas deu-lhe uma dotação que, no seu melhor, em 2019, anda apenas pelos 0,4% do OE. Não é uma contradição?

Não. O Governo deixou claro desde o início que tinha dois grandes objectivos estruturais: retirar Portugal do procedimento por défice excessivo, o que foi alcançado, e devolver rendimentos. Para os cumprir e em simultâneo prosseguir o esforço de investimento em políticas públicas, não seria possível retomar níveis pré-crise. A verdade, ainda assim, é que o orçamento da Cultura foi o que mais cresceu ao longo destes três anos e meio, cerca de 40%. É suficiente? Não, acho que é possível e desejável ir mais longe, e o primeiro-ministro sente o mesmo, só que o esforço de investimento tem de abranger a saúde, a educação, a segurança social… Mas há áreas em que conseguimos retomar os níveis de 2009: no apoio às artes, por exemplo.

Com alguma dor do sector…

Sim, e neste caso nem foram dores de crescimento… Mas quando tomei posse assumi declaradamente dois objectivos: resolver os problemas prementes, de modo a pacificar as relações com as artes, o cinema, o património e os museus; e começar a preparar o futuro numa lógica de médio prazo. Há um bom exemplo que costumo dar de crescimento de investimento público com uma estratégia clara e duradoura, que é [a acção] do Mariano Gago na área da Ciência: fez-se um caminho definindo por que é que era importante mais investimento em Ciência, que impacto teria, qual devia ser o crescimento para Portugal se aproximar da média europeia. Na Cultura devíamos fazer o mesmo: não basta dizer que queremos 1% [do OE], eu até acho que podíamos dizer mais…

Já não seria mau, atendendo ao historial…

Mas por que é que temos de partir do menos mau?

Porque ainda estamos nos 0,4%.

Certo, mas não é uma questão de números. Queremos 1% (ou 2% ou 3%…) do OE com que política? O que é que queremos conseguir nos próximos dez anos para o teatro, o património, o cinema? Como vamos alterar a relação das pessoas com a ida à sala de cinema, como conseguimos dar mais abrangência ou expressão territorial ao teatro? Também é preciso discutir política, não se pode discutir só o 1%. Eu percebo o ponto, é simbólico, mas gostaria de discutir numa base diferente: para onde é que vamos daqui a dez anos? Porque para lá chegar precisamos se calhar de mais do que 1%, mas há que identificar para quê.

Herdou um ministério seriamente descredibilizado pelos atrasos nos apoios às artes. Viu-se na posição de ter de salvar a face do Governo junto de um sector que teoricamente até seria favorável ao PS?

Senti-me na pele de ter de reconstruir uma relação que de facto estava fragilizada pelo atraso nos concursos, mas também pela forma como as estruturas experienciaram a mudança do modelo [de apoio às artes]. Quando chegámos, foi essa a prioridade – e havia várias coisas a fazer. Começámos por olhar para as estruturas que tinham ficado fora do concurso de 2018 e garantir-lhes apoio para um ano de transição, de forma a que conseguissem manter actividade e ir a este concurso bienal que acaba de abrir – trabalhámos com a Seiva Trupe, o Ensemble, a Karnart, a Barraca… Um segundo passo foi aceitar todas as propostas consensuais do grupo de trabalho [constituído para rever o modelo de apoio às artes]. Terceiro ponto, muito importante, um reforço de dois milhões de euros face ao concurso anterior, de 16 para 18,6 milhões de euros. Quarto, a simplificação dos formulários: ouvi muitas companhias dizerem que a plataforma era muito complicada, eu experimentei e percebi que não conseguiria preencher alguns daqueles campos. Finalmente, um aspecto fundamental: comprometemo-nos a pela primeira vez abrir [os concursos] no primeiro trimestre do ano, para dar regularidade, estabilidade e previsibilidade às companhias… Fui ver o histórico: o concurso para o último biénio, o de 2015/2016, abriu no dia 9 de Dezembro de 2014. Isto significa que quando as companhias souberam se eram ou não apoiadas já tinham decorrido pelo menos cinco meses do biénio que estava a ser apoiado. Não é possível a nenhuma estrutura, como não seria possível a nenhuma empresa, programar seja o que for nestas condições. Abrir [o concurso para o biénio 2020/2021] ainda durante o mês de Março exigiu um esforço enorme da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), mas era um compromisso de honra. Se tudo correr como está previsto, a primeira resposta chega às companhias já no final de Julho. Até à data, não temos nenhum feedback negativo. E eu já aprendi em política que só quando as coisas começam a correr mal é que alguém diz alguma coisa.

Queremos 1% (ou 2% ou 3%…) do OE com que política? O que é que queremos conseguir nos próximos dez anos para o teatro, o património, o cinema? Como vamos alterar a relação das pessoas com a ida à sala de cinema, como conseguimos dar mais abrangência ou expressão territorial ao teatro?

Depois da turbulência de há um ano, e do rodízio de directores-gerais dos últimos meses, a DGArtes está finalmente em condições de fazer o seu trabalho?

O que sinto, e isto é apenas empírico, mas o director-geral também o sente, é que conseguimos aos poucos ir reconectando com as estruturas e com os artistas. O orçamento global para as artes em 2019 é de 94 milhões, estamos a chegar a níveis pré-2010, e há um conjunto de factores que indiciam maior estabilidade e maior religação entre a tutela e o sector. Vamos ver como corre, mas digo mais uma vez: fala-se sempre de dinheiro, e o dinheiro é importante, mas há uma coisa que é quase tão importante quanto isso, que é conseguir estabelecer uma relação de confiança em que as pessoas sentem que são ouvidas, que têm algo a ver com o que está acontecer, que as coisas não se mudam só porque sim. Tentámos com cada companhia perceber o que aconteceu e qual a sua visão sobre o assunto; no cinema fizemos o mesmo, e faz toda a diferença.

Os artistas plásticos consideram-se abandonados pelo Estado, como argumentaram numa carta aberta ao primeiro-ministro, e defendem a criação de uma agência autónoma para as artes visuais. Essa possibilidade está em cima da mesa?

Nos últimos quatro meses chegámos a um entendimento e já temos um regulamento e uma comissão constituída por curadores, historiadores e artistas para o fundo de aquisições de 300 mil euros que o primeiro-ministro criou – vamos anunciar os nomes muito em breve. O passo seguinte é identificar outras medidas de política pública de apoio às artes plásticas. Alguns artistas defendem de facto a criação de uma agência; sou sincera, não tenho a certeza de que seja necessário. A preocupação que eu tenho partilhado com eles é a importância de haver uma gestão estratégica e integrada da Colecção do Estado. Se esse trabalho for feito, e estamos a começar esse caminho, não sei se é preciso criar uma agência. A gestão integrada é absolutamente decisiva, porque hoje temos um modelo muito heterogéneo: há a Colecção do Estado, a impropriamente chamada Colecção SEC, e colecções que não sendo do Estado estão hoje na sua esfera de gestão, caso da Colecção Novo Banco, que pelo segundo ano (refiro-me à parte de pintura) distribuímos por 15 museus. E há agora uma terceira componente, resultado de um desafio que lançámos sobretudo a bancos e instituições financeiras com colecções importantes: se em vez de terem as vossas colecções em gabinetes onde só entra o conselho de administração as quiserem ter em museus, ganham as colecções e ganham as pessoas. O primeiro acordo que alcançámos vai levar a colecção do Millennium BCP a três salas do Museu do Chiado; hoje [dia 3 de Abril] vai ser assinado com a COSEC um acordo segundo o qual 15 obras da sua colecção, incluindo uma Vieira da Silva e uma Menez extraordinárias, vão para outro museu. Também estamos a tentar corrigir desequilíbrios na rede de museus: em Lisboa, por exemplo, os museus necessitam de investimento de reabilitação e alargamento, porque não têm espaço suficiente para colocar tudo o que têm em acervo, enquanto há museus em diferentes partes do país que têm muito mais condições e acervos muito inferiores. Posso aproveitar para anunciar que vamos passar a ter uma parte do acervo do Museu do Chiado, um pólo descentralizado, no Museu Nadir Afonso, em Chaves.

Ainda quanto ao novo fundo: quando serão feitas as primeiras aquisições? As obras integrarão a Colecção do Estado?

Sim, sim, integrarão a Colecção do Estado para serem alvo dessa gestão flexível de que falava. Admitimos que no fim deste primeiro ano de funcionamento do fundo possa fazer sentido uma exposição só com as obras adquiridas neste período, mas o objectivo é que haja uma gestão conjunta. A área da gestão de património cultural móvel não é fácil, às vezes penso que era bom haver um curador-geral do Estado para fazer a curadoria dessa grande exposição que é a colecção nacional – a curadoria de um país, se quiser.

A área da gestão de património cultural móvel não é fácil, às vezes penso que era bom haver um curador-geral do Estado para fazer a curadoria dessa grande exposição que é a colecção nacional – a curadoria de um país, se quiser.

A Colecção do Estado começou a ser inventariada nesta legislatura, com o objectivo de se lhe dar um destino…

O destino, como lhe estou a dizer, deverá ser muito heterogéneo e multiterritorial. Aquilo que hoje está em caves do Museu do Chiado vai para Chaves, da mesma maneira que se decidiu que os Mirós iriam para o Porto, ou que as pinturas da Vieira da Silva ficariam, como era evidente, na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva. A ideia é que a Colecção do Estado vá pelo país, que descentralize.

E a Colecção de Fotografia Contemporânea do Novo Banco? O Convento de São Francisco, em Coimbra, continua a ser a hipótese mais provável?

De facto chegou-se a pensar no Convento de São Francisco, o problema é que ele necessitaria de algumas obras de adaptação, desde logo porque a fotografia exige condições técnicas de conservação muito particulares. Não iremos arriscar colocar a colecção num local que não esteja tecnicamente preparado, e o Convento de São Francisco não está. Continuamos a analisar a possibilidade de Coimbra, noutro local.

Acredita que até ao final do mandato estará decidido o destino dessa colecção?

Estamos a fazer um esforço muito, muito grande para tentar ter três decisões importantes tomadas até ao final do mandato: o destino da Colecção de Fotografia Contemporânea do Novo Banco e a conclusão das questões da Colecção Ellipse e da Colecção BPN. Estamos a falar de colecções muito importantes, com um número elevado de obras de arte, e queremos que o processo seja concluído de forma estável e certa.

Anunciou recentemente que uma das suas prioridades é corrigir as assimetrias de género na arte portuguesa. O Governo assumirá uma política de quotas nas colecções nacionais, nas aquisições, nas representações internacionais…?

Não, a ideia não é haver uma política de quotas, até porque estamos a falar de áreas com impulsos e dinâmicas próprias que não têm tutela directa do Estado. Mas há várias coisas que podemos fazer. Estamos a preparar um programa muito vocacionado para as mulheres – fundamentalmente nas artes plásticas, embora na literatura também exista um projecto em curso, mas aí parece-me que a sub-representação não é tão elevada. Não está em causa que Vieira da Silva, ou Paula Rego, ou Helena Almeida, ou Lourdes Castro sejam extraordinárias artistas, pelo contrário, mas a verdade é que demorou muitos anos a serem reconhecidas enquanto tal. O programa que estamos a construir (estamos a fazê-lo com outra instituição, por isso não quero ainda dizer como vai ser) terá três peças fundamentais: uma exposição que dará visibilidade conjunta a mulheres artistas desde 1900 até aos nossos dias, focando o modo como elas próprias se posicionaram ao longo dos anos; um módulo de conteúdos audiovisuais que possam chegar às pessoas com a história destas artistas; e um terceiro módulo de conteúdos para as escolas, através do Plano Nacional da Artes. Não se trata de dar a descobrir quem felizmente hoje em dia já todos descobriram; trata-se é de garantir que para as próximas gerações, para o futuro, esta sub-representação não se perpetua. Mas, para além da questão das mulheres, acho que há também necessidade de projectar os grandes artistas portugueses de forma mais veemente. Revisitei recentemente os painéis do Almada Negreiros nas gares marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, que em Guadalajara foram um extraordinário sucesso. Temos de voltar a olhar para aqueles painéis, provavelmente temos de voltar a intervir neles, e acima de tudo temos de reposicionar o percurso de um Almada Negreiros, ou de uma Sarah Afonso, com um orgulho nacional diferente. O estudo e a revitalização dos painéis é um dos projectos que vamos inscrever nos EEA Grants. Mas há tanto para fazer no enorme activo cultural que é Portugal – devíamos mesmo concentrar-nos na projecção internacional de Portugal através dos seus criadores, os que hoje felizmente continuam a criar e os de ontem.

Há tanto para fazer no enorme activo cultural que é Portugal – devíamos mesmo concentrar-nos na projecção internacional de Portugal através dos seus criadores, os que hoje felizmente continuam a criar e os de ontem.

Vários países europeus já deram início ao processo de restituição de obras de arte adquiridas ou apropriadas em contextos de dominação colonial. Ao que sabemos, Portugal não recebeu ainda nenhum pedido formal de devolução, mas o MC já está a trabalhar na definição de orientações gerais que regulem a resposta a dar a eventuais solicitações?

Não tivemos nenhum pedido. Se vier a existir, ver-se-á.

“Não há sacrifício do director do Museu Nacional de Arte Antiga”

A ministra da Cultura diz que os directores dos museus e monumentos nacionais não esperavam que fosse possível ir tão longe na autonomia de gestão. E frisa que a saída de António Filipe Pimentel é uma decisão “única e exclusivamente dele”.

Graça Fonseca acredita que o novo regime de autonomia de gestão para os museus, monumentos e palácios nacionais resolve muitos dos bloqueios criados pelo downgrade de 2013, ainda que no futuro possa fazer sentido ir mais longe. Gostaria que todos os directores, e não apenas o do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), pudessem prosseguir o “trabalho extraordinário” que têm feito “em tempos muito difíceis” e não vê qualquer problema em entregar a Lisboa metade das receitas do futuro Museu do Tesouro Real a criar no Palácio Nacional da Ajuda.

Os meses de que disporá até ao final do mandato serão curtos para cumprir alguns compromissos assumidos pelo PS no seu Programa de Governo, a começar pela reversão das “fusões precipitadas” que geraram super-organismos como a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). O que acha absolutamente crucial que se faça até ao fim do mandato?

Vamos conseguir chegar ao final do mandato com as grandes bandeiras do Programa do Governo praticamente cumpridas. Estamos a começar a implementação da autonomia dos museus, que permitirá reverter algumas das alterações trazidas pela fusão de 2013 que criou a DGPC – foi aí que os museus deixaram de ter autonomia. Com este diploma, repomos os museus como pessoas colectivas, com número de identificação fiscal (NIF); o director volta a ter natureza de órgão de gestão com estatuto próprio e passa a poder ser recrutado fora do âmbito da função pública e a nível internacional; os museus voltam a poder realizar despesa até ao limite máximo legal de 99 mil euros, com um fundo de maneio também para aquelas pequenas despesas que muitos reclamavam e com razão; e há ainda a possibilidade de consignação de receitas próprias… Mas é um modelo que temos de revisitar, porque se calhar faz sentido que cada museu seja de facto uma unidade própria; por agora, não avançámos ainda para essa revisão mais profunda, mas demos um passo importante. E criámos um grupo de trabalho que vai analisar tendências e perspectivas para os próximos dez anos. Vai ser coordenado pela Clara Camacho, da DGPC, que esteve na origem ligada à Rede Portuguesa de Museus (RPM), e inclui pessoas como a Raquel Henriques da Silva, mas também da ciência ou da educação. A sua missão será rever a forma como os museus são geridos, pensar como podemos atrair mais pessoas e adaptá-los à transformação digital… Porque queremos que o número de visitantes seja superior.

Já vem crescendo…

Não. Os que cresceram muito significativamente foram o Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Nacional do Azulejo, que são também, juntamente com o Museu Nacional dos Coches, aqueles que têm uma relação mais equilibrada entre receitas próprias e despesas correntes. Nos outros, pelo contrário, há uma quebra… Mas para acompanhar a implementação do novo regime de autonomia criámos um grupo consultivo que daqui a dois anos dirá como devemos avançar, enquanto o grupo de trabalho pensará mais a longo prazo. Entretanto, vamos reactivar a RPM, com a entrada de mais 15 museus, e abriremos em Maio o ProMuseus, que tem este ano uma inscrição orçamental de 500 mil euros para apoio à capacitação e à transformação digital dos museus que ainda não estão na rede.

O novo regime jurídico não é pouco ambicioso, como foram apontando os dirigentes dos organismos que regerá? Era verdadeiramente impossível ir mais longe na autonomia?

Essa auscultação foi feita antes de se conhecer a versão final do diploma. Convém desconstruir isso. Este diploma foi construído em duas reuniões com os directores dos 23 museus e monumentos nacionais, alguns dos quais nunca tinham tido uma reunião com a tutela embora estejam em funções há mais de 20 anos. O que lhe posso dizer é que a versão aprovada em Conselho de Ministros é do conhecimento de todos os directores – e que durante o período obrigatório de negociação colectiva, que durou 15 dias, não recebi nenhuma reclamação. Mais: muitos dos directores disseram-me precisamente o oposto, que não esperavam que fosse possível ir tão longe.

Tem no entanto o director do MNAA a dizer que, também devido às insuficiências do novo regime de autonomia, não se recandidatará, interrompendo um trabalho com uma visibilidade especial no conjunto dos museus nacionais. Custa-lhe perder o António Pimentel no âmbito deste processo?

Em tudo o que fazemos na vida é muito perigoso tomar a parte pelo todo, e também é muito perigoso tomarmo-nos pelas organizações que representamos e para as quais trabalhamos. No dia em que quebramos a distinção entre o que somos enquanto líderes necessariamente transitórios e aquilo que a organização é, perdemos a distância suficiente para perceber o que devíamos estar a fazer pela organização. Dito isto, o director do MNAA fez um óptimo trabalho durante os anos em que lá esteve e a decisão de se afastar foi única e exclusivamente dele, portanto não há aqui um sacrifício. Todos os directores de museus e monumentos, independentemente da sua maior ou menos presença na comunicação social, são extraordinariamente importantes para o país. O que eu mais desejo como ministra da Cultura é que o monumento nacional mais visitado do país, o Mosteiro dos Jerónimos, que representa uma receita superior a sete milhões de euros por ano para todos os museus poderem funcionar, tenha condições para trabalhar – se calhar ninguém sabe quem é a directora dos Jerónimos, mas toda a gente conhece os Jerónimos. Naturalmente gostaria que todos os directores prosseguissem o trabalho que têm feito, e muitos têm feito um trabalho extraordinário em tempos muito difíceis, mas nós somos uma coisa e a organização é outra.

A direcção do MNAA foi demasiado personalista?

Cada um tira as conclusões que quiser, esta é a forma como eu vejo o exercício de funções.

Os dirigentes dos museus, monumentos e palácios nacionais têm alertado para as consequências do congelamento das contratações e da previsível vaga de aposentações dos próximos anos. Tem solução para isso?

De facto, a idade média dos trabalhadores na área da Cultura – e não só, infelizmente é comum aos vários sectores do Estado – é demasiado elevada. Um dos trabalhos que fizemos, juntamente com os directores, foi o levantamento das necessidades imediatas para cada uma das funções dos museus e de quantas pessoas prevemos que se vão reformar nos próximos cinco anos. A necessidade mais premente é de facto de vigilantes, e aqui estamos a trilhar dois caminhos: por um lado, há o programa do Ministério da Administração Interna para reafectar polícias que já não exercem funções policiais à área da Cultura; por outro, a DGPC tem de abrir concurso para vigilantes, mas temos verificado (é uma situação que estamos a ver com a secretaria de Estado do Emprego Público) que muitos concursos têm ficado praticamente desertos e apenas conseguimos colocar uns 20% das vagas abertas. Isto tem uma explicação, tem a ver com questões de carreira, mas temos de encontrar uma solução. Paralelamente, a implementação da bilhética automática pode permitir libertar os funcionários que estão nos guichets para outras funções mais interessantes. Começámos essa experiência precisamente pela Arqueologia, que é um bom exemplo, porque cresceu imenso no número de visitantes. Colocámos seis máquinas, que servem Arqueologia e Jerónimos, e aquelas longas filas de que todos se recordam acabaram: desde que foram instaladas, cerca de 80% dos bilhetes já são vendidos nas máquinas. O reforço do pessoal dos museus tem de ser visto no quadro de outras medidas de modernização. Talvez faça sentido, por exemplo, haver um bilhete único para cinco museus na zona de Belém.

O diploma cria um novo museu nacional, o Museu do Tesouro Real. As jóias da coroa exigiam um museu autónomo? Não era possível pensá-lo no âmbito do Palácio Nacional da Ajuda?

Não, merece um museu próprio. A colecção é extraordinária, são milhares de peças de ourivesaria e joalharia que contam uma história incrível e estão escondidas dos olhares das pessoas. Faz todo o sentido que seja criado no Palácio Nacional da Ajuda, mas com uma presença própria.

Com um director e uma equipa técnica próprios?

Sim.

Por que razão decidiu o MC concessionar o futuro Museu do Tesouro Real à Associação de Turismo de Lisboa (ATL)? Não devia ser o Estado a explorá-lo?

Pode ser que desta vez eu consiga que a verdade seja transcrita. O Palácio da Ajuda estava por concluir há muito tempo, numa zona da cidade que também para a Câmara Municipal de Lisboa (CML) é importante, porque acima de Belém, acima dos Coches, não há massa crítica suficiente do ponto de vista da capacidade de atracção de turismo cultural. A CML, juntamente com a ATL, decidiu que parte das receitas do turismo de Lisboa devia ser utilizada para investir no chamado remate do Palácio da Ajuda e para a construção, dentro desta obra, do Museu do Tesouro Real. O que está no protocolo é que compete à ATL e à Câmara, através da mobilização das verbas do Fundo de Turismo de Lisboa, fazer a obra do palácio e do museu; compete à DGPC o projecto museológico e científico. Ou seja, não há uma concessão à ATL, há uma coisa que talvez seja difícil as pessoas perceberem, uma parceria pública-pública.

Mas com que contrapartidas?

Ao nível da bilheteira.

O Estado não teria interesse em ficar com essa receita, em vez de a entregar à ATL?

As receitas da bilheteira que serão entregues à ATL [50% do total, por um prazo de 20 anos] servem para compensar, ou remunerar, o investimento num equipamento que não é local, não é da Câmara. Mas na área da recuperação do património cultural a partilha de responsabilidades entre o Governo e as autarquias não é nada de extraordinário.

Não é pelo menos questionável que Lisboa arrecade metade das receitas de uma colecção nacional?

Posso fazer a pergunta ao contrário? É expectável que uma câmara municipal invista 20 milhões de euros na recuperação de um monumento nacional? O que está aqui em causa é única e exclusivamente uma troca de responsabilidades. Não é verdade que seja uma concessão.

Quando abrirá o museu?

A obra terminará no primeiro semestre de 2020, esperamos poder instalar o museu no segundo semestre.

Já se sabe quanto custarão os bilhetes?

Não, até lá talvez ainda tenhamos de rever várias vezes o regulamento de bilhetes.

Há alguma intenção de afectar parte da taxa turística cobrada em cidades como Lisboa e Porto ao património nacional?

Isso depende dos municípios. O Governo não tem jurisdição sobre as taxas municipais.

Graça Fonseca admite “um dia” candidatar-se a presidente da Câmara de Lisboa

Se o PS ganhar eleições e voltar a ser convidada, Graça Fonseca quer continuar a ser ministra da Cultura. E afirma que foi “desde o início favorável” à aliança de esquerda. “A indefinição”, garante, “alimenta o populismo”.

Aceitou ser ministra da Cultura por dez meses ou é de admitir que, se o PS ganhar eleições, estará disponível para reassumir a pasta?

Sim, assumi a pasta por dez meses, é verdade. Numa perspectiva de, se o PS ganhar eleições, se o primeiro-ministro continuar a ter a confiança que teve para me convidar e novamente me convidar, continuar a fazer o trabalho que tenho estado a fazer. Em última análise o primeiro-ministro decide como quer formar governo.

Enquanto dirigente do PS já em 2015, como viu o seu secretário-geral assumir pela primeira vez uma aliança de poder com o PCP e o BE?

Sempre fui favorável à actual solução. O que sempre defendi e continuo a defender é que o pior para a democracia são as soluções pouco definidas ou muito fluidas, em que não há um posicionamento muito determinado. A indefinição é algo que, na minha opinião, alimenta o populismo, alimenta o crescimento dos extremos. Por outro lado, era a oportunidade histórica de finalmente quebrar com este estigma de nunca ter existido um governo de esquerda.

Sente a Modernização Administrativa como uma obra também sua?

É um trabalho que vem de há muitos anos, precisamente da altura em que a Maria Manuel Leitão Marques, em 2007, com o ministro da Administração Interna, António Costa, começaram o programa Simplex. O que foi feito nos últimos três anos, sim, naturalmente tem muito do meu trabalho e eventualmente a minha marca pessoal. Tentámos reinventar o trabalho transversal ao Governo e de ligação com as pessoas, com os trabalhadores do Estado, com as empresas, envolver as diferentes áreas e actores importantes, ir a mais território, falar com autarcas, identificar problemas e soluções. Essa é uma marca que conseguimos deixar, readaptando o programa às mudanças sociais e económicas dos últimos dez anos.

Já antes, como vereadora da Câmara de Lisboa esteve ligada a áreas importantes: a inovação, as startups, as Lojas com História e,