home

Opinião: Breves notas sobre o sistema eleitoral

Opinião: Breves notas sobre o sistema eleitoral

Pedro Delgado Alves

(Artigo de opinião escrito originalmente para o PÚBLICO)

Pedro Delgado Alves

Breves notas sobre o sistema eleitoral

 

A proximidade entre eleito e eleitor será, pois, o possível ponto fraco do sistema.

A reforma do sistema eleitoral regressou ao debate público por via de uma interessante proposta da SEDES e da Associação por uma Democracia de Qualidade (APDQ) que tem interpelado de forma séria agentes políticos, académicos e cidadãos.

Tendo já queimado muitas pestanas a simular soluções alternativas e a ensaiar modelos eleitorais inovadores (já me têm dito que devia ir mais ao cinema…), admito, porém, que o afã que partilho com outros contaminados pelo mesmo vírus seja inversamente proporcional à mobilização da opinião pública, ou mesmo à sua centralidade entre os desafios que a nossa democracia enfrenta de momento.

Efetivamente, de entre as três principais preocupações que se tem procurado verter no sistema eleitoral, a representatividade, a governabilidade e a proximidade, os dois primeiros têm sido alcançados com sucesso razoável. Apesar de algumas insuficiências, o sistema tem gerado pluralismo da representação, com aparecimento e eleição de novos partidos, e tem permitido também a construção frequente de soluções governativas estáveis (maioritárias de partido único, de coligação ou de acordo de base parlamentar).

A proximidade entre eleito e eleitor será, pois, o possível ponto fraco do sistema, mais evidente nos círculos de grande dimensão do que nos demais. Precisamente para responder a esta preocupação, a revisão constitucional de 1997 piscou o olho à adoção de uma solução similar à alemã, permitindo combinar círculos uninominais de candidatura com círculos de apuramento plurinominais que preservem a proporcionalidade.

Esta tem sido, de resto, a posição estável do PS, reiterada em sucessivos programas eleitorais e que não cede ao populismo antiparlamentar que exige a diminuição drástica do número de deputados, opção essa que tem, infelizmente, sido a posição recorrente do PSD e que teria como consequência matemática inevitável a diminuição dos índices de proporcionalidade, a redução do pluralismo da representação e uma muito maior dificuldade em garantir plena representação a todas as regiões.

Sendo próxima do modelo sustentado pelo PS, é, pois, com simpatia, ainda que sem o mesmo sentido de urgência ou prioridade, que podemos encarar a proposta da SEDES e da APDQ, cientes também de que suscita algumas reservas quanto à junção das duas Regiões Autónomas num único círculo eleitoral ou quanto à forma de resolver alguns problemas com a garantia da proporcionalidade.

O facto de o sistema eleitoral não ser, em si mesmo, um problema que careça de refundação imediata, tal não significa que não sejam de identificar dificuldades provocadas pela evolução demográfica e com impacto na distribuição de deputados a eleger em cada círculo, levando a que nos círculos menores a proporcionalidade diminua e os votos aí recebidos pelos pequenos partidos não contribuam para a eleição de deputados. Todavia, para obviar ao problema, quer a ideia de um círculo nacional de compensação, inspirado no modelo eleitoral em vigor nos Açores, quer a agregação, apenas para efeitos de apuramento, de alguns círculos, salvaguardando a sua autonomia para efeitos de candidatura, podem ser introduzidos para superar as dificuldades.

Finalmente, porque também nestas páginas do PÚBLICO se tem desenvolvido em parte o debate através de dois textos recentes de Nuno Garoupa [aqui e aqui], importa afastar a ideia aí presente de que o sistema atual seria inconstitucionalmente violador da proporcionalidade. O texto constitucional não erige a proporcionalidade em valor único e absoluto, antes o mitigando para alcançar os outros objetivos como a governabilidade ou a proximidade.

Ademais, a Constituição não exige que o resultado final da distribuição de mandatos conduza a um número de deputados por partido correspondente a uma aplicação do método de d’Hondt a nível nacional. Se assim fosse, tornar-se-ia inevitável a existência de um círculo nacional único, algo que a Constituição não só não exige, mas apenas contempla como mera possibilidade complementar aos círculos geograficamente definidos na lei, esses sim obrigatórios.

Importa, pois, atender à totalidade do que a Constituição prescreve e ao contexto histórico que enquadrou a versão atual da norma, ao invés de assumir como ponto de partida para o debate uma leitura parcelar e equivocadamente incendiária, numa matéria cujas fundações são sólidas e que têm estado à altura do edifício democrático.