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Intervenção de António Costa no debate sobre “O futuro da Europa”

Intervenção de António Costa no debate sobre “O futuro da Europa”

António Costa - Parlamento Europeu

Senhor Presidente do Parlamento Europeu
Senhor Presidente da Comissão Europeia
Senhoras e senhores deputados
Caras amigas e amigos

1. Agradeço ao Presidente Tajani a oportunidade de me dirigir ao Parlamento Europeu para debater convosco o futuro da Europa.

É um grande prazer regressar a esta casa, onde servi, ainda que brevemente, como deputado e Vice-Presidente, e que tanto tem contribuído, enquanto única instituição diretamente eleita pelos cidadãos, para melhorar a transparência e a democracia na Eu-ropa. Saúdo também a presença do Senhor Presidente da Comissão, cuja visão, pragmatismo e experiência europeismo nos tem ajudado na busca de soluções, a superar divisões e reforçar a nossa União.

Nos últimos anos, a União Europeia foi sacudida por uma sucessão de crises sem precedentes na sua histó-ria que a abalaram nas suas fundações, da grande recessão de 2008 ao Brexit e à dramática crise dos Re-fugiados no verão de 2016.

Vivemos agora um momento de apaziguamento. Podemos finalmente celebrar o regresso do crescimento económico e evitámos que o Brexit se tornasse um princípio de desagregação. Mas, em qualquer caso, não há razões para complacência.

A União Europeia tem de estar à altura da sua responsabilidade histórica.

Em Bratislava, os Estados membros comprometeram-se a prosseguir unidos e em tornar a União atrativa e merecedora da confiança e do apoio dos nossos cidadãos; em Bruxelas, perante este Parlamento, o Presidente Juncker apresentou, em nome da Comissão, um ambicioso Livro Branco sobre o Futuro da Europa; em Gotemburgo proclamámos os 20 princípios do Pilar Social. A agenda dos líderes proposta pelo Presidente Tusk tem permitido um debate franco e direto entre os Chefes de Estado e de Governo.

A questão hoje é simples: queremos continuar a pro-meter muito e a cumprir pouco ou somos capazes de honrar os compromissos que assumimos com os nossos cidadãos? Teremos nós a coragem de fazer opções e de dotar a União dos meios e dos instrumentos para responder aos desafios com que estamos confrontados?

2. Talvez por termos regressado à Europa após 48 anos de ditadura, 13 anos de anacrónicas guerras coloniais em África e por termos experimentado as tensões do período revolucionário fundador da nossa De-mocracia, Portugal sabe bem que ser Europeu não é mera coincidência geográfica ou histórica.

Mais do que uma moeda única, mais do que um mercado interno, a Europa é uma comunidade de valores. Ser Europeu é pertencer a um sistema comum de valores: a paz, a defesa incondicional da democracia, o primado do Estado de direito, a liberdade, a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade.

Foram os valores que trouxeram Portugal à Europa, foi a vontade de consolidar a democracia reconquistada, de poder partilhar um espaço comum de liberdade, de segurança, de paz e de prosperidade. Foi esta a visão de Mário Soares, que subscreveu o pedido de adesão de Portugal à CEE, logo em 1977, e assinou o Tratado de Adesão em 1985. E aproveito para agradecer, mais uma vez, ao Presidente Tajani, a homenagem que o Parlamento prestou a este grande Europeu e seu antigo membro.

Partilhar uma casa comum, partilhar os mesmos valores , não significa prescindir da nossa identidade nem renunciar à liberdade de cada um fazer as suas escolhas. O futuro da Europa não é compatível com um pensamento único, qualquer que ele seja. A democracia na Europa não pode ser espartilhada pela ideia de que There Is No Alternative (TINA).

Significa, pelo contrário, acordar entre todos um con-junto de regras comuns de convivência e dar a cada um a liberdade de poder seguir o seu próprio caminho de acordo com essas regras comuns e para ganho de todos.

Como numa grande família, viver a 28 ou a 27 numa mesma casa nem sempre é fácil.

As regras não servem para uniformizar as políticas; as regras servem para que os compromissos comuns possam ser alcançados através das diferentes políticas que os eleitorados escolham, democrática e soberanamente.

Em Portugal, definimos uma alternativa à política de austeridade, centrada em mais crescimento económico, mais e melhor emprego e maior igualdade. A reposição de rendimentos devolveu confiança aos agentes económicos, permitindo o maior crescimento económico desde o início do século; um crescimento sustentado no investimento privado, nas exportações e no emprego.

Fizemos diferente, mas cumprimos as regras e temos aliás hoje finanças públicas mais sólidas do que tínhamos há três anos atrás. Saímos em 2017 do procedimento por défice excessivo, tivemos no ano passado o défice mais baixo da nossa democracia e na pas-sada semana a Comissão Europeia retirou Portugal da lista de países com desequilíbrios macroeconómicos excessivos.

Mas o mais importante de tudo é que a afirmação da soberania democrática devolveu confiança nas instituições democráticas e na União Europeia, como nos mostra o último Eurobarómetro.

3. Não temos por isso qualquer crise existencial. É na União e com todos os que o queiram, que desejamos construir o nosso futuro.

Temos inúmeros desafios pela frente: as alterações climáticas, a instabilidade na nossa fronteira externa, o terrorismo, a globalização, a transição digital, as mi-grações.

Mas temos de ter consciência que nenhum dos grandes desafios que enfrentamos será melhor resolvido fo-ra da União, por cada Estado membro isoladamente, por mais populoso ou próspero que seja.

Só a União Europeia, em conjunto, conseguirá liderar uma ação concertada à escala mundial para a aplica-ção do Acordo de Paris, vital para responder às alterações climáticas que ameaçam a Humanidade na sua existência.

Só unidos na Cooperação Estruturada Permanente, poderemos assumir uma responsabilidade crescente de forma solidária e em complementaridade com a NATO, face à instabilidade nas nossas fronteiras que ameaça a paz e a segurança.

Só unidos poderemos reforçar a cooperação policial, a cooperação judicial, a troca de dados entre os nossos serviços de informações, para enfrentar o terrorismo que espalha o medo nas ruas das nossas cidades.

Só a União dará força a uma política comercial capaz de contribuir para regular os mercados globais e proteger os elevados padrões sociais, ambientais e de segurança alimentar que queremos preservar, regulando a globalização que desafia a sustentabilidade do modelo social europeu.

Só o desenvolvimento do Pilar Social, do mercado único, o investimento conjunto na sociedade do conhecimento, na transição energética, nos permitem assegurar o crescimento e o emprego digno, a única resposta eficaz às angústias que a transição digital e a automação colocam sobre o futuro do trabalho.

Só à escala europeia é possível ir à raiz do problema das migrações, que alteram os equilíbrios das nossas sociedades. Agindo na promoção do crescimento inclusivo e do desenvolvimento sustentável, da paz e dos direitos humanos em África, na cooperação com os países de origem e de trânsito, acompanhando o apelo do Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para um novo Pacto Global para as Migrações. Assim como, só solidariamente entre todos podemos assegurar a defesa da nossa fronteira externa comum contra as redes de criminalidade organizada que promovem o tráfico de seres humanos, e partilhar o dever humani-tário de garantirmos proteção internacional a todos quantos dela carecem.

Sim, estes desafios existem e temos de os enfrentar. Não com grandes debates institucionais ou paralisantes revisões dos Tratados. O essencial é definirmos o que queremos fazer. A arquitetura institucional é ape-nas o instrumento que nos permitirá a sua concretiza-ção. Inverter a ordem é contraproducente: divide-nos no acessório antes de nos unir no essencial. O tempo urge e o nosso foco tem de estar nos cidadãos, ouvin-do-os e devolvendo-lhes a confiança na nossa capaci-dade de enfrentar e vencer estes desafios.

O que distingue a política democrática do populismo é que a política democrática não explora os medos, não vive dos problemas. Pelo contrário, a política democrá-tica responde aos problemas, combate os medos e as angústias, devolve a esperança no futuro.

A globalização não se enfrenta fechando fronteiras ou erigindo muros, retrocedendo numa lógica protecionis-ta ou numa deriva xenófoba. Devemos deixar claro que estas não são, nem nunca serão, as opções da Europa. A União Europeia só terá a ganhar se continuar a projetar a visão de uma Europa aberta ao mundo, do Japão ao Mercosul. O que a globalização nos exige é que sejamos capazes de investir nas qualificações, na inovação, nas infraestruturas que nos inserem nas redes globais. Só uma sociedade coesa económica, social e territorialmente garante uma competitividade susten-tada

É nossa responsabilidade política responder aos an-seios legítimos dos cidadãos europeus. Mas só o conseguiremos se soubermos construir uma verdadeira União, mais coesa, económica, social e politicamente.

Para que isso seja possível, há duas prioridades muito claras: concluir a União Económica e Monetária, o projeto mais ambicioso que já conseguimos pôr em prática, e dotar a União dos recursos à medida das suas responsabilidades e dos desafios que temos de enfrentar.

Senhoras e Senhores Deputados,
4. A convergência é a chave para a união na Europa. Só ela poderá garantir a necessária estabilidade da Zona Euro, assegurando a redução dos riscos e a partilha dos benefícios.

A crise financeira expôs as fragilidades da moeda única. Confrontados com uma emergência, evitámos, em grande parte com a ação esclarecida do Banco Central Europeu, a desagregação que chegou a ameaçar-nos e criámos, com o Plano Juncker, um novo instrumento de apoio ao investimento que, com o contributo deste Parlamento, viria mesmo a ser reforçado.

Contudo, mesmo com estes avanços, as fragilidades estruturais da Zona Euro permanecem por resolver. As assimetrias e os desequilíbrios entre os seus membros reduzem o crescimento potencial e põem em causa a estabilidade da moeda única. Enquanto a União Económica e Monetária se mantiver incompleta, serão maiores os riscos de novas crises.

Precisamos de aproveitar este momento de crescimento e de otimismo nos mercados para dar um novo impulso à União Económica e Monetária que reforce a convergência e previna novas crises.

A União Económica e Monetária nunca poderá funcio-nar satisfatoriamente apoiada apenas no seu pilar monetário.

Por economia de tempo não vou desenvolver aqui os temas da União bancária que iniciámos e importa concluir, a necessidade de clarificar as regras orçamentais ou a evolução do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

Centrar-me-ei no que julgo essencial para otimizar a Zona Euro como união monetária, corrigindo assime-trias e reforçando a convergência. Qualquer união monetária madura dispõe de uma capacidade orçamental.

É nesse sentido que venho defendendo a criação de uma capacidade orçamental própria da Zona Euro, articulada com o exercício do Semestre europeu.

Esta capacidade orçamental poderá servir como instrumento de estabilização contra choques externos; mas o seu objetivo primordial deve ser o investimento, dotando as Recomendações Específicas por País, consolidadas nos Programas Nacionais de Reformas, de instrumentos financeiros para a sua implementação.

Não se trata de estabelecer uma união de transferências nem mecanismos de financiamento às ineficiências nacionais.
Quero ser claro: não defendo transferências permanentes. O mecanismo de convergência que proponho deverá assentar numa base contratual, de forma a executar reformas desenhadas à medida de cada país em função dos seus bloqueios estruturais específicos, que permitam melhorar o seu potencial de crescimento, com metas quantificadas e calendarizadas, cujo cumprimento condicione a transferência faseada das tranches de financiamento.

Por exemplo, olhando para o Country Report de Portugal, a nossa prioridade deve ser investimento em educação, formação ao longo da vida, I&D, inovação, fi-xando métricas de sucesso e calendários de concreti-zação.

O apoio à convergência é a medida certa para responsabilizar cada Estado-membro pela realização das re-formas de que necessita. É o melhor instrumento para garantir a estabilidade da Zona Euro e combinar o crescimento económico e a disciplina orçamental.

Trata-se de criar incentivos às reformas, uma condici-onalidade positiva e não punitiva.

É que não podemos continuar a olhar para a Zona Euro como um conjunto de economias que competem entre si e com o resto do mundo. Temos de a tratar como um espaço integrado cuja prosperidade e coesão beneficia todos os seus membros. O valor agregado do conjunto depende do sucesso de todos e de cada um.

5. A estabilização duradoura e sustentável da zona eu-ro é a primeira condição para podermos construir o futuro da Europa em bases sólidas.

A segunda condição é dotarmos a União de um orçamento à medida das suas exigências e das suas ambições.

No seu recente relatório sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual, o Parlamento Europeu defendeu que só será possível concretizar mais políticas e mais programas europeus com mais recursos, não com menos.

Acompanhamos este Parlamento e partimos para este novo ciclo de negociações sobre o Quadro Financeiro Plurianual com uma posição clara: temos de reforçar os recursos próprios da União e é necessário um au-mento das contribuições de todos os Estados membros.

Portugal está disponível para aumentar a sua contri-buição e apoia a criação de novos recursos próprios, como proposto pelo Relatório Monti, e objeto de sugestões múltiplas.

Só assim podemos honrar o compromisso que assumimos com os cidadãos de garantir maior segurança face às alterações climáticas, às ameaças externas e ao terrorismo, o futuro do nosso modelo social, do emprego, da gestão das migrações, sem sacrificar polí-ticas que são já parte da identidade da União Euro-peia, como a Política Agrícola Comum ou a Política de Coesão.

Seria um grave erro sacrificar estas políticas. O suces-so da PAC não se reduz à garantia da segurança alimentar da Europa, assim como o sucesso da Política de Coesão não se limita ao contributo que tem dado para a modernização económica e social dos nossos territórios. A sua maior mais-valia foi ter trazido a União Europeia para o dia-a-dia dos seus cidadãos. Com a PAC e a Política de Coesão, a Europa chegou a cada aldeia, a cada vila, a cada parcela de território, das grandes metrópoles às Regiões Ultraperiféricas.
Temos de falar verdade aos nossos cidadãos. Não podemos querer mais da Europa sem dar mais à Europa. Não podemos atribuir mais responsabilidades à Europa sem aumentarmos as nossas contribuições e os seus recursos próprios.

Mas não podemos simplesmente querer mais, sempre mais e mais. Temos também de ser capazes de fazer diferente e melhor, explorando a indispensável complementaridade de políticas e instrumentos e melhorando a sua eficiência.
Desde logo, entre competitividade e coesão. Precisa-mos de uma economia mais competitiva no mercado global e de uma sociedade mais coesa internamente.

Mas também devemos ter a consciência de que a PAC tem de dar um contributo acrescido para enfrentarmos as alterações climáticas; e que a Política de Coesão tem de contribuir para a prevenção da radicalização nas periferias urbanas e tem de se centrar mais nas pessoas como um instrumento do Pilar Social.

Do mesmo modo, o objetivo da coesão não pode estar ausente de programas como o Horizonte 2020 ou o Fundo Europeu de Defesa, que não devem agravar as assimetrias entre as nossas economias .

A convergência deve assim ser o critério do valor acrescentado que deve estar transversalmente presen-te em todas as políticas e instrumentos, que se devem complementar, reforçando o potencial de sucesso agregado.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Todos temos noção da dificuldade destes debates sobre a conclusão da União Económica e Monetária e a adoção do próximo Quadro Financeiro Plurianual. Nada do que hoje é difícil ganha em ser adiado. Pelo contrário, adiar tornará tudo muito mais difícil porque diminuirá a confiança que os cidadãos depositam na nossa capacidade de respondermos às suas necessidades, anseios e aspirações. Por isso, devemos fazer tudo para fechar estas questões durante o vosso atual mandato.

Esta é uma responsabilidade de todos. Temos de estar à altura do nosso tempo. Falo por Portugal: podem contar connosco. Mais uma vez, sempre, Portugal con-ta com a Europa e a Europa pode contar com Portu-gal.

Os desafios que temos pela frente são exigentes. Mas sempre que duvidarmos da nossa capacidade de, uni-dos, os vencermos, recordemos Simone Veil, primeira presidente do Parlamento Europeu diretamente eleito pelos cidadãos: “je suis, je reste toujours optimiste. La vie m’a appris qu’avec le temps, le progrès l’emporte toujours. C’est long, c’est lent, mais en définitive, je fais confiance.”
Obrigado.