home

Jornal de Negócios entrevista Mário Centeno: “Vamos ter de viver numa restrição orçamental muito bem definida”

Jornal de Negócios entrevista Mário Centeno: “Vamos ter de viver numa restrição orçamental muito bem definida”

Mário Centeno chega à entrevista cansado, menos de 24 horas depois de apresentar o seu segundo Orçamento do Estado que fechou uma semana intensa. Foca as respostas na exigência de tomar decisões que respeitem as restrições financeiras e políticas num contexto económico em mudança. Defende que o modelo do Governo não falhou, e desvaloriza o mecanismo de controlo de Bruxelas: “é um procedimento algorítmico”.

É mais fácil negociar com os parceiros à esquerda ou com Bruxelas? Quem tem sido mais compreensivo?

Obviamente que quem é mais compreensivo tem sido o Governo, porque está na posição negocial de charneira e, portanto, tem de estar disposto a essas negociações. Faz parte. Não acho que haja uma dicotomia muito grande. A relação com Bruxelas é muito diferente da relação negocial interna. Em qualquer dos casos, há uma enorme compreensão de quais são os parâmetros do programa do Governo. Um Orçamento é feito de opções e essas vão sendo compreendidas e acomodadas para se adaptarem à realidade. No exercício orçamental o Governo interpreta essa realidade, e tem obviamente uma atitude reformista que implementa e tenta transpor essa leitura para as negociações. Em relação à pergunta que me faz, são relações de estilo completamente diverso, portanto não se consegue dizer assim.

Em termos de flexibilidade, não consegue fazer essa distinção?

As negociações decorrem normalmente num ambiente de mutua compreensão face às dificuldades e à necessidade de, através das decisões que se tomam, atingir determinados objetivos. A flexibilidade tem sido bastante…ou pelo menos suficiente para se atingir os objetivos.

Também em relação a Bruxelas?

Também em relação a Bruxelas.

Que margem está reservada agora para as negociações do Orçamento?

O Orçamento tem um conjunto de princípios, políticas, objetivos e tem uma restrição orçamental muito bem definida. E nessa restrição que vamos ter de viver e os ajustamentos serão com certeza de melhoria de matérias que possam não ter ficado absolutamente claras, ou que decorram de uma maior introspeção face às normas e as melhorem. E essa a expectativa que tenho.

Muito dificilmente será algo com um impacto muito relevante…

Podemos pôr mais folga ou retirar da restrição orçamental, mas não podemos fazer uma coisa só. Há uma compreensão muito generalizada da existência dessa restrição e da necessidade de a cumprir.

Tem garantias de que o Bloco e o PC P aceitem a forma faseada de retirar a sobretaxa de IRS?

A questão foi negociada, fez parte do processo de preparação do Orçamento. Não espero uma diferença de posição face ao que foi sendo negociado. Estamos ainda no processo de discussão do Orçamento, que será uma discussão mais pública, mais aberta, e desse ponto de vista mais participada; mas não tenho nenhuma expectativa de que a situação possa causar algum problema.

Os dois partidos disseram que não aceitariam o fim da sobretaxa de forma faseada, em privado disseram-lhe outra coisa?

A proposta que nós temos é uma redução que elimina a sobretaxa em 2017 de forma gradual. Eu aqui a esta mesa não posso fazer negociação.

Mas esse gradualismo ainda está sujeito a negociação ou isso já está negociado?

A proposta que foi feita foi apresentada e foi negociada.

Dentro destes limites orçamentais podem conversar tudo, mas há de limites de despesa e de receita já não é para mudar…

Exatamente.

Está seguro de que Bruxelas aceita estas contas?

Das conversas e da troca de informações que temos mantido com Bruxelas existe sempre uma posição que nem sempre é coincidente na dimensão estrutural. Mas aquilo que apresentamos no Orçamento que coloca o défice em 1,6% do PIB, e corrigido de medidas temporárias em 1,8%, e um nível de excedente primário muito significativo, claramente superior a 2%. É o que consideramos possível e adequado ao processo de consolidação orçamental em Portugal e estado de crescimento da economia portuguesa.

Em janeiro, quando apresentou a sua proposta de esboço orçamental, apresentou-a com um determinado ajustamento. No fim teve de juntar mil milhões de euros em medidas…

A nossa comunicação com Bruxelas melhorou imenso. Se quiser, verdadeiramente, a comunicação de Bruxelas connosco melhorou imenso. Há uma muito maior compreensão do que é o propósito, o compromisso do Governo português, que na altura não existia do lado de Bruxelas. Obviamente que não lhe posso responder aqui por Bruxelas, mas posso dizer-lhe que os contactos que temos com a Comissão Europeia são condizentes com uma aprovação do exercício que temos proposto.

Se o processo de negociação à esquerda foi particularmente intenso, a negociação com Bruxelas está a começar…

Vamos lá a ver se nos entendemos, Bruxelas não vota no Parlamento português. Nem no espanhol, nem no italiano. 0 que estamos a falar de Bruxelas é um procedimento algorítmico. Bruxelas tem um código, que aplica com uma determinada flexibilidade é eu não tenho que discutir com Bruxelas se a minha política é mais virada para os pensionistas A, B ou C, ou para aumentar ou diminuir impostos à classe média, à classe alta ou à classe baixa. Não discuto nada disso com Bruxelas.

Portugal tem uma recomendação decorrente do agravamento do Procedimento do Défice Excessivo que pode implicar uma suspensão de fundos, se Bruxelas entender que não estabilizou o saldo estrutural este ano ou que não reduz os 0,6 pontos no próximo…

Estava longe de mim colocar em risco o que quer que seja relativamente ao procedimento, às sanções ou aos fundos – que decorre daquilo que foi a política orçamental do governo anterior, mas é evidente que há uma continuidade no país. Este Governo tem a responsabilidade e teve sempre essa coragem – e podemos falar sobre isso noutras dimensões, por exemplo sobre o sector financeiro – de negociar com Bruxelas decisões muito difíceis de obter. Tão difíceis que nenhum outro país na Europa tinha ainda conseguido decisões desta natureza em relação, por exemplo, à capitalização da Caixa Geral de Depósitos