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Ideologia e interesses

Ideologia e interesses

Os tempos vão duros. Radicalismo ideológico, excessos verbais, maniqueísmo. Aparentemente, a questão dos colégios parece uma questão fraturante: entre esquerdas e direitas, entre ricos e pobres, entre “betinhos “ e “ciganos”, entre liberdade de escolher e opressão impositiva. Um deputado do PSD, com idade e traquejo para melhor medir as palavras, acusa o ministério da Educação de stalinismo. Antes, a JSD braço escatológico do PSD, havia plantado um cartaz onde o ministro era a marionete de Nogueira, o “Stalin lusitano”. Inocentes úteis, aparentemente mal informados, seguem a multidão. Até parece que estamos na Espanha da Guerra Civil. Brancos e vermelhos, sem mais.

Opinião de:

Ideologia e interesses

Na verdade, não estamos perante nenhuma questão ideológica mas apenas numa questão de interesses. Há gente das direitas que não acompanha o movimento e há gente das esquerdas que envergonhadamente se cala, à espera que os instrumentalizados façam o trabalho e lhes deixem continuar com as suas sociedades, cooperativas, etc. que tanto lhes convém. Apenas se calam, por oportunismo e pudor, sempre esperando que o poder atual ceda mais um pouco. Mas a pior mistificação é a da suposta liberdade de escolha. Que liberdade de escolha têm pais de crianças onde não haja ensino oficial e só exista oferta de privado em regime de associação? Ou vice-versa, onde só haja escola pública. Falsa questão. Em contraste com o abuso de liberdade de oferta oferecido de bandeja pela celebração de contratos em zonas densamente escolarizadas, onde o público se esgadanha para manter turmas e a flexibilidade do privado pode oferecer complementos educativos atraentes. Uma velha lei dos serviços públicos diz que qualquer oferta de mais hospitais, escolas, lares, induz a sua própria procura. Tudo bem, não fora a oferta ser redundantemente financiada pelos seus e meus impostos. É neste pretenso paradigma da liberdade que assenta o maior equívoco. Claro que nunca nenhum governo a pôs em causa, nem proibiu as famílias de usarem o seu dinheiro, preferindo o privado ao público. O seu, não o nosso.

Na manif de domingo tudo estava organizado: os transportes, o serviço de ordem, a participação de crianças com silêncio imposto, a presença de alguns líderes políticos em dose homeopática, a onda amarela, subliminarmente apelando para cores papais. Na manif replicante, dos sindicatos de professores, o modelo será quase simétrico. 

Temos que fugir deste branco e negro, esquerda e direita, bons e maus, mercadibilistas e coletivistas, crentes e descrentes. O único critério possível é o da coisa pública, da escola prevista na Constituição, chamem-lhe republicana como em França, chamem-lhe pública como entre nós. Será o critério que permitirá que todos nos entendamos. Misturar ideologia nos interesses é tão perverso como instalar os interesses em ideologias, uma combinação que cedo ou tarde se revelará indigesta.