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Governo da direita prejudicou mais a negociação coletiva que a crise económica e financeira

Governo da direita prejudicou mais a negociação coletiva que a crise económica e financeira

A intervenção da troica em Portugal conjugada com as políticas aplicadas pelo anterior Governo de direita do PSD/CDS prejudicaram mais a negociação coletiva do que a crise financeira e económica que se abateu sobre o país entre 2008 e 2011. A análise está integrada num estudo sobre o desmantelamento da negociação coletiva em Portugal, da responsabilidade de uma investigadora social do Centro de Estudos Sociais, que servirá de base a um debate que terá hoje lugar em Lisboa.

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Governo da direita prejudicou mais a negociação coletiva que a crise económica e financeira

A investigadora Maria da Paz Lima, no seu estudo sobre o desmantelamento da negociação coletiva em Portugal entre 2008 e 2011, começa por classificar os efeitos das medidas da troica como “dramáticos”, salientando, nomeadamente, o bloqueio total da negociação coletiva sobre salários no setor público, mas também no setor privado, e o “declínio drástico” do número de convenções setoriais negociadas anualmente, bem como do número de trabalhadores abrangidos por estas negociações”.

A autora do estudo menciona no seu trabalho que o anterior Governo aceitou e pôs em prática as propostas estruturais contidas no memorando apresentado pela troica, assinado no dia 17 de maio de 2011, propostas que vieram alterar, como recorda a investigadora do CES, o “quadro legal que regulava a negociação coletiva em matérias suscetíveis de serem reguladas pelas convenções coletivas, como a compensação por despedimento, a organização do tempo de trabalho e a remuneração do trabalho extraordinário”.

A responsável por este estudo sublinha ainda que o Governo PSD/CDS “não só alinhou totalmente com os objetivos do Memorando da Troica”, como foi mesmo mais longe, introduzindo novas medidas, principalmente em relação ao setor público, que tiveram igualmente, como refere, uma “clara incidência” também no setor privado.

Cortes nos salários

A este propósito, cita as medidas “para além da troica” da exclusiva responsabilidade do anterior Governo, nomeadamente nos cortes dos salários e dos subsídios de férias e de Natal da função pública e no aumento do período normal de trabalho semanal de 35 para 40 horas.

O setor privado também não ficou de fora do alcance das medidas avançadas pelo anterior Governo PSD/CDS, ao ter instituído critérios para a extensão das convenções coletivas que, segundo a académica, “romperam com o princípio da inclusividade”.

A autora do estudo lembra a propósito que o Memorando defendia que a extensão das convenções coletivas dependesse da representatividade das partes, ao invés do Executivo que “introduziu o critério exclusivo da representatividade das associações patronais”.

Para a responsável por este trabalho de investigação, o resultado da aplicação destas medidas levou ao “colapso do número de convenções atualizadas e à respetiva cobertura”, salientando que este facto não se deveu a “uma crise da negociação coletiva”, mas sim a uma “estratégia de flexibilidade salarial descendente”, que colocou o número de trabalhadores abrangidos pela atualização da negociação coletiva a “níveis sem precedentes”.

Esquerda altera cenário

Com a chegada do PS ao Governo, a autora lembra que Portugal entrou “num novo ciclo”, que designa pelo “ciclo pós-Troica e pós-governação de direita”, salientando que, graças aos acordos parlamentares estabelecidos pelos partidos de esquerda – PS, BE, PCP e Verdes – que em conjunto detêm a maioria de mandatos no Parlamento, foi possível ao Governo liderado por António Costa assumir o compromisso de virar a página da austeridade, avançando com medidas de recuperação de rendimentos das famílias e dos trabalhadores, defendendo que algumas destas medidas “poderão influir positivamente”, de forma direta e indireta, na negociação coletiva, dando neste particular o exemplo da “reversão dos cortes salariais no setor público e na reposição do horário das 35 horas e no aumento do salário mínimo”.

Em 2008, eram abrangidos pela atualização da negociação coletiva cerca de 895 mil trabalhadores. A partir de 2012, o número de trabalhadores abrangidos reduz-se para mínimos históricos, menos de 250 mil.

Entre 2009 e 2011, 50% dos trabalhadores do setor privado viram as convenções que regulam os seus termos de emprego atualizadas, enquanto em 2012 esta percentagem desceu para 17% e em 2013 e 2014 abrangeu apenas 10%.