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Eutanásia: Porque não consigo distanciar-me

Eutanásia: Porque não consigo distanciar-me

Considero a eutanásia um tema importante, mas não quero falar em público sobre ele. Eis as minhas razões...

Opinião de:

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Por volta de 1987, o meu irmão mais velho Jerry começou a desenvolver as infeções oportunistas que caracterizam a Sida, incluindo a toxoplasmose, uma doença causada por protozoários parasitas. Neste caso, os parasitas tinham causado lesões cerebrais. Em consequência, o meu irmão começou a delirar. Dizia-me coisas como, «Estava a inspecionar o túnel de vidro, mas não estavas lá». Anotei num papelinho algumas das coisas absurdas que ele disse nesse dia, mas há mais de 25 anos que não olho para o que escrevi. Prefiro não saber.

Para mim, os dias em que não estava no seu perfeito juízo foram os piores no longo e lento declínio do meu irmão em direção à morte. Foi como se o verdadeiro Jerry tivesse desaparecido.  

A medicação que lhe deram matou os parasitas, mas nunca recuperou completamente.  Perto do fim, desenvolveu a neuropatia. Perdeu a dexteridade nas suas mãos e não conseguia andar. Eu e os seus amigos tinhamos que o vestir e alimentar. Nem conseguia pegar num livro e ler. 

Sempre que o seu sofrimento ultrapassava os limites, pedia a quem estava a visitá-lo um dos anti-depressivos que guardava num pequeno saco ao lado da cama. Uma vez, consegui coragem suficiente para lhe dizer que ninguém o censoraria se decidisse ir-se embora. Acrescentei que o ajudaria a tomar os comprimidos que fossem necessários. Acenou com a cabeça. Vi gratidão nos seus olhos húmidos.     

Morreu uns dias depois, a 6 de Maio de 1989. Tinha 35 anos. 

O seu amigo Charlie estava a visitá-lo no hospital quando ele morreu. «O Jerry deixou de respirar, simplesmente», foi o que nos disse.

O funeral dele foi o pior dia da minha vida – estive prestes a desmair por várias vezes. Uma semana depois, o Charlie telefonou-me. Os administradores do hospital tinham descoberto que ele tinha dado um anti-depressivo ao meu irmão no dia em que deixou de respirar e estavam a contemplar acusar o Charlie de ter provacado a sua morte. O Charlie estava em pânico. Mas, uma semana mais tarde, os administradores decidiram não avançar com um processo.  

Sempre que a discussão da eutanásia vem à baila, lembro-me do meu irmão. E, quando oiço pessoas a dizerem que um homem ou mulher que sofre com dores insuportáveis não devia ter o direito de morrer com dignidade, não consigo controlar as minhas emoções.  Porque, no local do meu cérebro onde não há nenhuma distância entre o passado e o presente, o meu irmão ainda está a sofrer. E tenho de o defender. Não posso permitir que sofra mais, e desnecessariamente.  

Não, não posso imaginar-me a debater o assunto em público, porque  não consigo falar diplomaticamente e calmamente sobre o meu irmão.  E não quero.