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Confissão, desastre e purificação

Confissão, desastre e purificação

A confissão involuntária de Maria Luís Albuquerque sobre o corte permanente de 600 milhões de euros anuais, a pensionistas desencadeou ondas de choque inimagináveis. Depois da imediata luta contra o irremediável, encetada pelos habituais spin doctors, os doutores que dão a volta, através de desmentidos do indesmentível, de colóquios singulares com gente sensível, como os dirigentes da UDP, seguiu-se a tentativa de isolamento da ministra: pessoa tão competente a governar, como incompetente a comunicar, nada será como ela disse, haverá até outras formas de encontrar o dinheiro. Em uma semana, uma estrela política, alcandorada pelos áugures a eventual sucessora de Passos Coelhos, é jogada para um canto, como coisa inútil e tóxica. Mais distantes, os comentadores que usam como método a demonstração pelo absurdo, vieram louvar a ministra: a sua franqueza será a sua força. A sua têmpera é a da verdade e é assim que a coligação deve atuar. Defendendo sempre a verdade mesmo que ela doa a três milhões de pensionistas. Se a austeridade cura, por que razão não irá a verdade dar votos?

Opinião de:

Confissão, desastre e purificação

Para os mais realistas, os estragos são irreparáveis. Bipolares encartados, passaram do otimismo ao pessimismo. Já admitem perante público fiel que irão ter um ano de desaires. As habituais corujas do subcomentário político se ainda não encaixam a derrota, já a antecipam. Outros, disfarçam o seu desgosto antecipado com o pessimismo de apostas onde a derrota era assumida. Sinais evidentes de que a estratégia vai mudar. Em vez de se centrarem num debate de ideias já compraram a dinamite. Começam por perfurar o rochedo com ceticismo educado sobre os cálculos de Centeno et al. Que as alternativas são interessantes, mas de realismo não provado. Depois passarão a introduzir o dinamite e os rastilhos, sempre cautelosamente, não vá o material explodir nas mãos, congregando economistas de soma algébrica que desconhecem que a multiplicação também existe, tal como fomos descobrindo a divisão com os efeitos que eles nunca anteviram quando Gaspar era o profeta. Quando dinamite e rastilho estiverem acomodados, então virá a deflagração. Já começaram ensaios aqui e ali para testar a pureza do explosivo. Numa destas noites, um dos mais agressivos deputados laranjinha, deu uma lição de como se pode falar de uma proposta sem a ter lido. Tudo estava amplificado ou trocado: as empresas ricas é que financiavam a segurança social das pobres, os trabalhadores estavam a ser convidados à estratégia da cigarra ou do crédito fácil que envenenou famílias, gasta agora, pagas depois. O Fundo da Segurança Social, tão carinhosamente poupado, afinal iria ser desbaratado em crédito sem retorno. Esta retórica é subproduto do argumentário geral: o PS quer voltar ao poder para voltar a gastar tudo o que Povo poupou graças a um governo austero e patriótico. Eternos dissipadores.

A campanha que aí vem vai ser dura. Em palavras e em atos. Já começaram a queixar-se dos media, imaginem. Por agora temos marcado a agenda, arrastado os coligados ao nosso terreno da discussão séria e positiva, o que eles confundem sempre com hesitações e sinuosidade de percurso. Depois de declararem que o programa seria o seu governo de quatro anos, foi-se a convicção e aí vão eles seguir-nos as pisadas: primeiro linhas gerais, depois uma torrente de projetos em carteira, jamais executados em quatro anos de maioria absoluta. Já assistimos à maravilhosa explanação de ideias interessantes para executar em quatro meses, passados 48 meses em que elas lhes não ocorriam. Que o percurso, cheio de obstáculos tem pedras e é sinuoso, todos o sabemos. E que tanta pedra não se rasga a direito é uma pura constatação. Preparemo-nos.