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Colocar a saúde de novo na agenda política

Colocar a saúde de novo na agenda política

A Organização Mundial de Saúde e o Observatório Europeu de Saúde consideram que o programa de ajustamento se centrou na redução de custos, racionalização de recursos e no aumento de receitas, sem considerar os potenciais efeitos da austeridade na saúde. Recomendam por isso recolocar a saúde de forma visível na agenda política.

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SNS já não garante acesso universal

O impacto da austeridade na saúde não foi devidamente avaliado, diz a Organização Mundial de Saúde (OMS), lembrando que o orçamento para este sector está 20% abaixo da média europeia, cenário que “ameaça a sustentabilidade do SNS”.

Para estas organizações internacionais, que debateram em Coimbra, na sede da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, uma das mais significativas omissões do programa de austeridade foi a “ausência de uma avaliação precoce do impacto da crise na saúde” e das medidas de austeridade associadas.

Com melhor monitorização, diz a OMS, o Governo português poderia ter “desenhado medidas mais adequadas” para minimizar os efeitos negativos na saúde, defendendo que o caminho seguido deveria ter sido através de uma abordagem que privilegiasse uma avaliação baseada em factos do “verdadeiro impacto da crise no sector”.

Para a OMS e para o Observatório Europeu, é agora necessário voltar a colocar a saúde na agenda política, através de uma abordagem compreensível e observando de forma explícita os efeitos das políticas financeiras, económicas e sociais.

O diagnóstico é preocupante. O estudo critica as políticas de austeridade, que se centraram sobretudo nos cortes sem avaliar o impacto nas pessoas, como salienta Constantino Sakellarides, um dos redatores do estudo, recordando particularmente o “stresse provocado pela pobreza nas crianças”.

Com a quebra no investimento na saúde que se tem vindo a observar desde 2012, a OMS alerta que pode estar comprometida a sustentabilidade do serviço público de saúde, com os números a indicarem que a despesa em saúde representa 10,2% do PIB, acima da média europeia, que é de cerca de 8,5%, mas com a despesa per capita, em 2012, 20% abaixo da média europeia.

Neste trabalho crítico sobre a degradação das condições em Portugal no sector da saúde, um dos problemas apontados pela OMS e pelo Observatório Europeu sobre Sistemas de Saúde refere-se às falhas na rede de cuidados continuados, apontando-se neste particular como causa próxima a diminuição de mais de 430 camas em três anos nos hospitais públicos, isto quando se verifica que as necessidades continuam a crescer com o envelhecimento da população e o aparecimento de mais doenças que exigem apoio especializado ou recuperação após a alta hospitalar.

Já desde 2013 que a OCDE vem a alertar que Portugal é, depois da Grécia, o país que menos dinheiro público gasta nesta área dos cuidados continuados, tendo notado que só as camas destinadas à convalescença são pagas pelo Ministério da Saúde. As restantes, integradas nas unidades de média e de longa dimensão, também financiadas pela tutela, são em parte pagas pelo próprio utente em função dos seus rendimentos.

Sobre este estudo o bastonário da Ordem dos Médicos já veio afirmar que a análise da OMS só vem revelar que houve na saúde em Portugal um “excesso de cortes sem preocupações” para os doentes.

Governo está destruir o Estado Social

Muitas têm sido as reflexões e análises sobre o SNS, sobretudo desde que em 2011 a coligação de direita assumiu responsabilidades governativas.

De entre as muitas opiniões e intervenções públicas o destaque vai para o ex-ministro da Saúde socialista António Arnaut, que tem vindo a acusar o Executivo de Passos Coelho de querer “desde a primeira hora” destruir o Estado Social.

António Arnaut defende que não é possível cortar mais na saúde e que aumentar as taxas moderadoras “não é uma solução viável”, realçando que o SNS é “tendencialmente gratuito, não tendencialmente pago”.

Também Adalberto Campos Fernandes, médico especialista em Saúde Pública e docente universitário, numa entrevista recente, recorda que a política de saúde foi subordinada, nestes últimos três anos e meio, “quase por inteiro”, a uma leitura orçamental, e que apesar das obrigações internacionais assumidas no memorando de entendimento de 2011, que impunham metas difíceis no controlo da despesa pública em saúde, o que verificamos foi a “aplicação de cortes transversais, para além do fixado no memorando e um reduzido empenho na concretização de reformas sectoriais com impacto estrutural nesta matéria”.

O estudo publicado pelo Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde da Organização da OMS veio confirmar em termos científicos a perceção existente relativamente ao desacerto das políticas seguidas, no setor da saúde, nos últimos quatro anos. A excessiva concentração no efeito financeiro, de curto prazo, das medidas de ajustamento desvalorizaram o contexto social e económico do país contribuindo para acentuar as desigualdades nas condições de acesso ao sistema de saúde. Parece ter havido um enfoque quase exclusivo no controlo orçamental sem ter em conta a indispensável monitorização, em tempo adequado, dos efeitos da austeridade na saúde das pessoas. A persistência em desvalorizar ou até mesmo ignorar sucessivos alertas de entidades independentes fez com que os efeitos do ajustamento orçamental se tenham abatido sobre o conjunto do sistema de uma forma pouco criteriosa gerando desequilíbrios na estrutura e no funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. No essencial, o estudo ora publicado põe em evidência uma estratégia errada de tentativa de isolamento da política de saúde da envolvente social e económica condicionando, de forma inadequada, o papel de estabilizador essencial dos efeitos da crise do sistema de saúde.

Adalberto Campos Fernandes
Médico especialista em saúde pública e docente universitário