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Cabalas e cavalos

Cabalas e cavalos

Ninguém havia levado muito a sério a ameaça de sanções. Pelo seu ineditismo, pela desproporção do incumprimento face aos efeitos reputacionais nos mercados, pelo facto de elas incidirem sobre o desempenho de anterior governo, pela divisão óbvia que é visível no colégio de comissários, pelo facto de outros terem sido ou estarem a ser desculpados (ou por gastarem a mais ou por importarem a menos) e enfim, pelo ilogismo de se cortar na ração do cavalo do inglês, quando se pretende que ele corra na competição do investimento para crescimento e emprego.

Opinião de:

Cabalas e cavalos

Acresce o contexto: estando o Reino Unido de saída anunciada, mesmo que por milagre não venha a ser concretizada; estando a União a reforçar-se para lutar contra essa e subsequentes dissidências; estando o Brexit em risco de gerar novas e impensáveis fraturas; continuando o crescimento avaro, a inflação nula e o desemprego sempre elevado; estando os países terceiros ricos em energia, matérias-primas e manufaturas em declínio do seu anterior pujante comportamento; estando os gigantes China e Índia, de tocaia, à espera de nos permearem pelos refolhos da nossa inação; continuando milhões de refugiados a procurarem no modelo social europeu a paz e o conforto que nas suas terras lhes é negado; estando a Rússia a aguardar oportunidade de vingança contra o bloqueio económico a que foi sujeita e a sofrer a crise do preço do gás com que costumava fazer ajoelhar a Europa a oeste dos Urais; com o Mundo neste estado, seria de esperar da Europa que, sábia e pacientemente, urdisse uma teia de solidariedades, em vez de começar a romper a cota de malha das suas defesas. Mas não. A Europa parece valorizar em extremo o facto de um pequeno país ter gasto mais 0,2% do seu PIB do que estava previsto, fazendo pagar ao justo os atos do pecador. Se não foste tu a turbar a água que vou beber, foi teu pai, noutro momento, assim arreganhou sua dentuça o lobo para o cordeiro. Grande La Fontaine! Grande Esopo! Que sabedoria milenar não perpassa das vossas fábulas! Infelizmente desconhecidas de alguns dos colegiais comissários.

Que fazer perante tamanha insensibilidade, ignorância da história, destes sitiados em Constantinopla, vendo o sexo dos anjos em dois décimos de PIB? Uma só linha de ação: lutar com as armas da inteligência, da diplomacia, do direito, contra a gritante injustiça que nos ameaça. 

Dizem-me que tudo isto não passa de uma cabala partidária. A direita europeia receando que o exemplo de Portugal ser governado pala esquerda possa alastrar a Espanha, possa contaminar a Itália e outros menores, meridionais no prazer da vida. Mas como, se a base dos entendimentos tem sido sempre a de ninguém se imiscuir no quintal do vizinho, a de cada povo escolher livremente a forma de governo interno, desde que cumpra as regras de convivialidade comercial, económica, financeira e social da União? É certo estarem estas em muitas matérias ainda por definir e em outras a ser talhadas pela lei do mais forte. Mas também é verdade que desde séculos a lei internacional, ao menos na Europa, defendeu os fracos e que nos últimos três quartos de século vivemos em paz com os anjos. Sim, bem sei que os que mandam na Europa não terão a grandeza dos deuses, a força de leões, a sabedoria dos filósofos de que alguns se riem. Sim mas todos, mesmo os pequenotes ou médios terão que lutar sem fraquejar, com as armas consentidas. E já agora, que nesta peleja sem blandícia, o mais importante será que não haja um cavalo recheado de guerreiros, dentro das nossas troianas muralhas!