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Bárbara Bulhosa entrevista Luaty Beirão

Bárbara Bulhosa entrevista Luaty Beirão

Em Junho de 2015, quinze activistas angolanos estavam reunidos numa livraria a discutir um trabalho baseado no livro Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp. Foram todos presos e mantidos em cativeiro durante largos meses, num caso que alarmou a comunidade internacional e correu mundo devido à greve de fome de Luaty Beirão. Reivindicando que os arguidos pudessem aguardar julgamento em prisão domiciliária, Luaty Beirão deu início a uma greve de fome que durou 36 dias. Muitos meses depois, os quinze arguidos “conquistaram” a prisão domiciliária, e agora aguardam julgamento em casa. Sim: serão julgados por terem lido um livro.

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Bárbara Bulhosa entrevista Luaty Beirão

«O somatório de todas as pequenas ações, das cartas aos abaixo-assinados, aos stencils, às vigílias, às peças que se fizeram na imprensa, tudo, absolutamente tudo conta quando nos entregamos a uma batalha desigual contra um opressor, principalmente quando a solidariedade chega de maneira tão avassaladora e inesperada.»

Entrevista a Luaty Beirão, por Bárbara Bulhosa

O que lhe deu força para aguentar uma greve de fome durante 36 dias? O apoio da sociedade civil portuguesa teve impacto na sua persistência? Hoje sente que valeu a pena?

Tudo teve impacto. Claro que o apoio da sociedade civil portuguesa também teve e MUITO. Senti muito amor, muito boa energia, uma corrente de gente genuinamente preocupada que queria participar, que sentia necessidade de se solidarizar, fosse de que forma fosse. Não quero citar ninguém isoladamente, mas o somatório de todas as pequenas ações, das cartas aos abaixo-assinados, aos stencils, às vigílias, às peças que se fizeram na imprensa, tudo, absolutamente tudo conta quando nos entregamos a uma batalha desigual contra um opressor, principalmente quando a solidariedade chega de maneira tão avassaladora e inesperada, é mesmo comovente. Esse apoio, tanto da sociedade civil portuguesa como da angolana (que também superou qualquer expectativa que dela pudesse nutrir) foi fundamental, deu-nos um empurrão na conquista de espaço e força para a luta pelos direitos e liberdades fundamentais que levamos a cabo. Ainda estamos longe do objectivo, pelo que gostaria muito que se mantivesse esse carinho, essa solidariedade.

Qual acha que deve ser o papel do governo de Portugal em relação ao que se tem passado em Luanda, nomeadamente a vossa detenção e o julgamento?

Governos preocupam-se com assuntos do foro económico (muitas vezes fechando os olhos às origens dos dinheiros). Já lhes conhecemos as manhas: publicamente é só ursinhos de peluche e sorrisos colgate, engajados na melhoria do bem-estar social e preocupados com os direitos humanos, mas nos bastidores a implacável realidade é que, na hora de tomada de decisões, esses valores universais que metem o ser humano como o objeto último da ciência política são sistematicamente secundarizados em prol de subjectivas noções de bem-estar financeiro. O que me preocupa não são os governos, pois esses agem por mandato do povo. Se o povo português fizer do assunto «Angola» algo prioritário, sobretudo numa fase em que o capital angolano de origem criminosa está a adquirir partes importantes dos sectores-chave da economia portuguesa, os governantes terão mais dificuldades em realizar manobras descaradas para justificar «as boas relações» (subentendendo-se que económicas) independentemente de tudo o resto. Não vou cobrar nada ao governo português, até porque há muito boa gente em Portugal que já o faz publicamente, então sinto-me representado.

Como entendeu a votação do Parlamento português quando o Bloco de Esquerda colocou um voto de protesto pela forma como vocês foram presos e mantidos em cativeiro, depois do anterior alarido institucional a propósito da liberdade de expressão aquando do ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo?

Seguramente deveria ter-me sentido desiludido?! Mas isso apenas se me desse mais importância do que a que realmente tenho ou se estivesse minimamente à espera de outro resultado. Não estando, para mim já foi muito bom o aguerrido BE manter no parlamento a sua militância pelos valores acima enunciados.

Tem esperança de que, com um governo de esquerda em Portugal, a posição oficial em relação à liberdade de expressão e às questões de direitos humanos em Angola possa mudar?

Gostaria de acreditar que sim, mas prefiro não ficar a contar muito com isso. O PS, com o seu pragmatismo político, é muito mais centro do que esquerda e já foi governo antes, não tendo sido propriamente a antítese do que foram estes últimos anos de relações na era PSD. Só que antes não dependia da ala mais à esquerda para governar, e é essa diferença que vai tornar as coisas interessantes nos próximos tempos. Apesar de não contar com nada vindo do PCP, os outros partidos da coligação, sobretudo o BE, poderão vir a forçar uma postura do Estado português (um tanto ou quanto) mais consentânea com os discursos. Já chicotearam o Costa no parlamento exigindo que tomasse uma posição especificamente em relação ao nosso caso. Não sei como interpretar o desconforto com que o novo PM de Portugal respondeu às questões, mas surpresa seria se ele fosse peremptório e assumisse um posicionamento oficial naquele instante. Como disse, os governos agem mais de acordo com os desígnios da população quando esta cumpre o seu papel fiscalizador. Não acredito mais em governos de idealistas puros.

A detenção do procurador do Ministério público português alegadamente corrompido pela segunda figura do Estado angolano é um sinal de que algo pode estar a mudar?

Mais uma vez, espero que sim, e também pelo bem da imagem da própria justiça portuguesa, pois ter uma elite de gente dedicada a estancar fenómenos de natureza predatória ao Estado no seio da qual tem elementos que se deixam seduzir com uma cenoura podre de 200 mil euros, é um péssimo sinal que se envia à sociedade. Quanto ao resto, prefiro não falar enquanto as certezas não estiverem mais próximas do inequívoco, apesar de as reacções aqui em Luanda, ou por outra, a falta delas, serem muito sintomáticas. Felizmente ainda existem pessoas que acreditam na sua missão enquanto agentes do Estado, e está a ser revigorante ver que estão dispostos a reabrir processos que podem meter em causa os amiguismos políticos. Que não haja mais Machetes é o que espero.