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ANTÓNIO GUTERRES NO MUSEU DO CÔA

ANTÓNIO GUTERRES NO MUSEU DO CÔA

Há 25 anos, o recém-eleito primeiro-ministro, António Guterres, tomou a decisão de interromper a construção de uma barragem para preservar a Arte Rupestre do Vale do Côa, correspondendo aos anseios de muita gente e contrariando outras vontades e interesses.

Opinião de:

O amigo Jorge

Há 25 anos, este mesmo primeiro-ministro, hoje Secretário-geral da Organização das Nações Unidas, criou o Ministério da Ciência que, com Mariano Gago e agora com Manuel Heitor, contribui para que cada vez mais cientistas e investigadores desenvolvam o seu trabalho em Portugal e o vejam reconhecido a nível internacional.

Há dez anos, foi inaugurado o Museu do Côa, projeto cultural da maior importância para a região e para o país, cuja arquitetura se integra de forma harmoniosa na deslumbrante paisagem revestida pelos vinhedos em socalcos que singularizam o Alto Douro Vinhateiro, a primeira região vinícola do mundo, criada em 1756 pelo Marquês de Pombal, “paisagem cultural”, que Torga considerava “um excesso da Natureza”, e que foi justamente imortalizada pela Unesco, em 2001, como Património Mundial.

Foi neste contexto de grande simbolismo e celebração de boas opções políticas que, sem beijos nem abraços nem sequer apertos de mão, mas com amizade, muita admiração e emoção, assistimos à cerimónia de homenagem ao ex-primeiro-ministro de Portugal, promovida pela Fundação Côa Parque, responsável pela gestão do Parque Arqueológico do Vale do Côa e do Museu do Côa e presidida pelo eficiente e dinâmico historiador Bruno Navarro. O nome e perfil de António Guterres, gravados na placa de xisto à entrada do auditório do museu, ficam indelevelmente associados a esta extraordinária obra como público testemunho de agradecimento das gentes que estiveram do lado certo da História, juntando a sua à voz dos jovens estudantes da escola de Foz Côa para dizerem bem alto que “as gravuras não sabem nadar”.

Ao ouvir o homenageado falar da importância da Ciência e da Cultura, da nossa “identidade”, resultado de um encontro de culturas, “baseada na diversidade” e no respeito pelo Outro, e dos valores que, em tempo de pandemia, são ainda mais necessários para garantir a coesão social, lembrei-me do seu combate às alterações climáticas e de que a situação pode ser pior do que julgamos, a acreditar nas previsões de David Wallace-Wels, no seu livro “A Terra Inabitável. Como vai ser a vida pós-aquecimento global”. Imagens apocalíticas de escassez de água, incêndios devastadores, subida do nível dos oceanos e outros acontecimentos climáticos extremos podem a curto prazo tornar-se realidade. Se o nível dos oceanos continuar a subir por causa do sobreaquecimento global, prevê-se que muitos territórios fiquem submersos e milhões de pessoas em todo o mundo percam a casa e o local de trabalho.

Podemos queixar-nos dos morcegos, dos mosquitos, dos ratos ou dos pangolins, mas “tudo começa pela deflorestação”, afirma o investigador boliviano, Carlos Zambrana-Torrelio, que estuda as relações entre o ambiente e as patologias emergentes e conclui que “todas as alterações que impomos ao planeta terão uma repercussão na nossa saúde”.

Por causa da pandemia, prescindimos de viajar, de estar com a família e os amigos; aceitámos restrições de liberdades, direitos e garantias consagrados na Constituição da República; mudámos hábitos e rotinas; verificámos que podíamos viver com muito menos e de outro modo. Depois de tudo o que passámos, a nossa vida poderá continuar a ser o que dantes era? Quanto do que nos parecia (parece) imprescindível, não se revelou supérfluo e inútil?

Os recursos naturais não são infinitos. A Natureza não resiste a tudo. As cidades podem tornar-se inabitáveis. A vida na Terra pode transformar-se numa provação permanente. Tal como Ricardo III, no final da peça homónima de Shakespeare, estava disposto a trocar o reino por um cavalo, poderemos nós chegar ao ponto de querer trocar os bens materiais de que atualmente não prescindimos por água potável e ar puro?