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A Europa em Questão

A Europa em Questão

Saiu recentemente o nº 77 da revista de reflexão e crítica “Finisterra”, dirigida por Eduardo Lourenço. Revista pluralista que se integra na área do socialismo democrático, tem como tema central a Europa e as suas atribulações passadas, presentes e o futuro como incógnita. No seu editorial o diretor reflete sobre a crise do velho continente que desde o pós-Segunda Guerra Mundial deixou de constituir um sistema de referência cultural para o resto mundo, tendo em conta, primeiro a hegemonia partilhada dos EUA e da União Soviética, depois, as revoluções anticoloniais e, mais recentemente, a ascensão dos fundamentalismos islamitas que põem cm causa as suas liberdades e o seu laicismo.

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A Europa em Questão

Em “A Máquina Infernal” Fernando Pereira Marques, aproveitando uma frase de Eduardo Lourenço, analisa a captura do Estado e da liberal-democracia pelos mercados com a sua legião de corretores, agiotas, intermediários, negociantes (de armas, de petróleo, de diamantes, de cocaína, de órgãos) que se transformam em poderes dominantes numa civilização cada vez mais serva voluntária dos gadgets tecnológicos, e em que a difusão de um individualismo exclusivista põe em causa os laços sociais e destrói o sentido de comunidade. Retornando à Europa, a investigadora Glória Rebelo assinala a crise da Europa Social em consequência das políticas de austeridade que afetando sobretudo Grécia, Portugal e Espanha, têm servido de pretexto para um aumento significativo das desigualdades sociais, do desemprego e da precariedade laboral. Num outro registo, Carlos Gaspar refere o declínio da Europa no plano estratégico não apenas relativamente aos Estados Unidos, mas também à “Grande Ásia” (Japão, Índia e China) que se reflete na sua incapacidade em assumir o “fardo da segurança” após o retraimento norte-americano.

A “Finisterra” dedica um dossiê aos atentados contra o Charlie Hebdo. Hugo Moreno e Carlos Brito denunciam a atrocidade destes assassínios, homenageiam e recordam os caricaturistas que perderam a vida em virtude da intolerância religiosa e apontam as suas causas. Num registo diferente mas complementar, Joaquim Jorge Veiguinha denuncia a (im)postura de jornais como o dinamarquês Jyllands-Posten que não hesitam em insinuar que milhões de muçulmanos são fanáticos fundamentalistas em nome de uma pretensa liberdade de imprensa que defende que tudo, até o holocausto, pode ser objeto de derisão e caricatura. Na secção Memória Guilherme Oliveira Martins recorda a vida e obra de três figuras recentemente desaparecidos: Maurice Duverger, politólogo francês, Ulrich Beck, sociólogo alemão e José da Silva Lopes, economista português.

Na secção Ideias da “Finisterra” destacam-se dois artigos: Dos vícios privados aos benefícios públicos, de Joaquim Jorge Veiguinha, e Catarse e pudor, de Daniel Fins Santana. No primeiro, recorda-se os 300 anos da publicação da “Fábula das Abelhas” (1714) de Bernard Mandeville, médico e filósofo holandês radicado em Inglaterra obra em que emerge uma ética laica como alternativa à moral religiosa até então dominante. No segundo, é perspicazmente abordada a arrogância ideológica de uma esquerda radical e vanguardista que se arroga detentora do monopólio da verdade política, contesta tudo e não propõe nada e é apenas capaz de governar em ditadura. Mas a “Finisterra” não esquece também a Cultura. Nesta secção João Soares Santos debruça-se sobre as origens das epopeias épicas nos povos indo-europeus, escrevendo também, na secção Soltos, um Monólogo sobre a verbalização onde estuda as raízes etimológicas de uma série de palavras em diversos idiomas. Por fim, na secção Livros são feitas duas recensão: uma sobre o livro do sociólogo e filósofo francês Pierre Boudieu Sobre o Estado (Edições 70, Lisboa, 2014), baseado num curso proferido pelo autor no Collège de France entre 1989 e 1992, em que é feita uma reflexão profunda sobre a origem do Estado na Europa; outra sobre o livro de Eduardo Lourenço, Do colonialismo como nosso impensado (Gradiva, Lisboa, 2014) em que é abordada a “amnésia” portuguesa relativamente ao colonialismo e ao seu império colonial que parece nunca ter existido.

A “Finisterra” encontra-se à venda nas livrarias, em particular na Bertrand, embora a sua tiragem seja reduzida (500 exemplares). Os leitores poderão ter acesso on line aos números mais antigos no site www.fundacaorespublica.pt, consultando o link publicações. Fazemos votos de boas e intelectualmente produtivas leituras desta magnífica revista.