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A “doença” do BES passou para o Novo Banco

A “doença” do BES passou para o Novo Banco

O Banco Espírito Santo SA (BES) faliu no decurso de falhas graves cometidas pelos principais responsáveis pela gestão da instituição. A Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do BES e do Grupo Espírito Santo foi um enorme contributo para o cabal esclarecimento público, para a reforma legislativa operada ao nível da supervisão, regulação, práticas comerciais e proteção de clientes e forneceu, certamente, conclusões valiosas para a investigação encetada pelo Ministério Público.

Opinião de:

A “doença” do BES passou para o Novo Banco

O Novo Banco SA (NB) foi criado porque o BES colapsou. Uma queda que gerou ondas de choque no sistema financeiro e na economia nacional. Uma queda que originou um vasto universo de lesados em Portugal e nas comunidades emigrantes.

No dia 3 de agosto de 2014, o Banco de Portugal (BdP), com o apoio do Governo PSD/CDS, aplicou uma medida de resolução ao BES SA, tendo deliberado ainda o montante do apoio financeiro a disponibilizar pelo Fundo de Resolução (FdR) no quadro da referida medida.

O FdR foi chamado a prestar apoio financeiro de 4.900 milhões euros para a realização do capital social do banco de transição – o Novo Banco SA (NB). Coube ao BdP definir o balanço de abertura do NB, bem como as sucessivas alterações ao perímetro da resolução.

Para o balanço de abertura do NB foram transferidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, clarificados posteriormente pela deliberação do BdP, após avaliações conjuntas com a administração do banco e a consultora PWC – PricewaterhouseCoopers & Associados Lda.

Hoje sabemos que a esmagadora maioria dos ativos transferidos para o NB encontrava-se sobrevalorizada e, apesar desses ativos estarem há muito em situação de incumprimento, foram transferidos pelo valor contabilístico inscrito no balanço do BES.

O BdP garantiu que os ativos tóxicos tinham ficado no BES. Recordando a comunicação do Governador do BdP, “A generalidade da atividade e do património do BES é transferida para um banco novo denominado de Novo Banco devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos”.

O BES foi classificado como o banco mau. O NB foi prometido como o banco bom. Assim não aconteceu. Sabemos hoje que a “doença” do BES passou para o NB.

A capitalização inicial do NB ficou muito aquém do necessário. Tem sido feita às prestações. Segundo a auditoria realizada pela Deloitte, ao abrigo da Lei 15/2019, de 12 de fevereiro, e recém-chegada à Assembleia da República, as perdas superiores a 4.000 milhões de euros, registadas nas contas do NB até 31 dezembro de 2018, e que geraram injeções de capital por parte do FdR, derivaram dos ativos problemáticos que transitaram do BES para o prometido banco bom.

A resolução do BES falhou. Não foi capaz de encerrar uma das mais graves hecatombes do sistema bancário.

O NB iniciou a sua atividade como banco de transição. Tinha de ser vendido no prazo de dois anos. No dia 4 de dezembro de 2014, o BdP anunciou publicamente a abertura do processo para a apresentação de manifestações de interesse com vista à aquisição do NB. O BdP promoveu, deste modo, o primeiro processo de alienação, pelo FdR, do designado banco bom.

Surpreendentemente, a 15 de setembro de 2015, o BdP comunicou a interrupção do processo de venda do NB, “sem aceitar qualquer das três propostas vinculativas”, apesar de considerar “que o processo de venda comprovou a atratividade do Novo Banco e demonstrou inequivocamente a existência de sério interesse na aquisição acionista da participação do Fundo de Resolução da parte de entidades com meios para dotar o banco de uma estrutura acionista sólida…”.

O que falhou para que a venda não se concretizasse, tendo em conta um quadro de propostas tão favorável? Foi ponderado e avaliado o impacto do cancelamento da venda na (des)valorização económica do NB? As respostas nunca chegaram, mas tornou-se indisfarçável a ligação direta desta decisão com a agenda eleitoral da coligação PSD/CDS para as eleições legislativas que se realizaram poucos dias depois

O cancelamento da venda suscitou necessidades imediatas de capitalização. Impunha-se um plano B. Ou seja, o BdP, na qualidade de autoridade de resolução, teve necessidade de alterar o perímetro de ativos e passivos do BES e do NB.

A 29 de dezembro de 2015, “Com base na evidência de que a situação económica e financeira do Novo Banco, SA, desde a data da sua criação, tem vindo a ser negativamente afetada por perdas decorrentes de factos originados ainda na esfera do Banco Espírito Santo, SA, e anteriores à data da resolução, o Banco de Portugal determinou retransmitir para o BES a responsabilidade pelas obrigações não subordinadas por este emitidas e que foram destinadas a investidores institucionais, identificadas em anexo”.

O BdP decidiu retransmitir 2.000 milhões de euros de obrigações seniores, causando o protesto de um conjunto de investidores, maioritariamente internacionais, com natural prejuízo no nível reputacional do “rating” da República no financiamento da dívida pública. Importa apurar a dimensão desta decisão nos juros de dívida pública que Portugal passou a suportar nos anos seguintes.

A 15 de janeiro de 2016, veio o BdP informar a retoma do processo de venda do NB, processo este concluído a 18 de outubro de 2017 com a venda de 75% do capital social do NB à Lone Star. Segundo o BdP, “Nos termos do acordo, a Lone Star irá realizar injeções de capital no Novo Banco no montante total de 1.000 milhões de euros, dos quais 750 milhões de euros no momento da conclusão da operação e 250 milhões de euros no prazo de até 3 anos”.

Os termos do mesmo acordo incluíram ainda a existência de um mecanismo de capitalização contingente, em que o FdR, enquanto acionista, se comprometeu a realizar injeções de capital no caso de se materializarem certas condições cumulativas, relacionadas com o desempenho de um conjunto delimitado de ativos do NB e com a evolução dos níveis de capitalização do banco.

Adiantou na altura o BdP que as injeções de capital a realizar nos termos deste mecanismo contingente beneficiariam de uma almofada de capital, nos termos da operação, e estariam sujeitas a um limite máximo absoluto, que viria a fixar-se em 3.890 milhões de euros.

As injeções do mecanismo por conta das perdas registadas nos exercícios de 2017 e 2018 foram de 1.941 milhões de euros. Por conta das perdas registadas em 2019, a chamada de capital ao FdR foi de 1.039 milhões de euros, sobrando 912 milhões para esgotar o limite fixado no mecanismo de capital contingente.

As perdas que têm justificado as referidas injeções de capital resultam, sobretudo, da estratégia de alienação de ativos classificados como não essenciais e/ou não produtivos, inscritos no mecanismo de capital contingente.

A alienação de créditos, imóveis e participações financeiras e acionistas por valores muito abaixo do respetivo valor contabilístico tem despertado uma enorme estupefação da opinião pública, com várias interrogações até agora não esclarecidas quer pela administração do NB quer pelo FdR, nomeadamente a avaliação e identificação das contrapartes, os verdadeiros compradores, as avaliações a preços de mercado dos ativos alienados e a gestão efetuada a determinados devedores.

A própria auditoria aponta para cerca de 140 desconformidades relativas aos atos de gestão por parte da administração do NB. Importa indagar se e em que momentos e circunstâncias o interesse público foi lesado. Importa apurar eventuais responsabilidades e responsáveis.

O Inquérito Parlamentar proposto pelo PS foi decidido após a análise detalhada ao relatório da auditoria promovida pela Lei 15/2019, de 12 de fevereiro, e da Comunicação de 24 de julho de 2020da Procuradoria-Geral da República, enviada ao Governo, a pedido deste, sobre a alienação de ativos do NB, bem como na sequência das recentes audições ao presidente da comissão executiva do NB e ao presidente do FdR.

Defendemos um Inquérito Parlamentar às perdas e outras variações patrimoniais negativas registadas pelo Novo Banco (NB) que condicionaram a determinação do montante pago e a pagar pelo Fundo de Resolução (FdR) ao NB, desde a resolução até aos dias de hoje.