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Podem as migrações salvar a UE?

(Artigo de opinião escrito originalmente para o Jornal i)

 

Carlos Zorrinho

Podem as migrações salvar a UE?

O “acordo” obtido no último Conselho Europeu foi defensivo e insuficiente. É necessária uma visão diferente

As migrações de povos entre regiões e continentes sempre existiram. A diversidade genética, o cruzamento fecundo de tradições e culturas, a interpenetração de costumes e crenças são a marca de água da evolução da humanidade.

Os motivos que conduziram às migrações variaram no tempo, mas a procura de melhores condições de vida ou a fuga a situações de guerra ou calamidade sempre foram os seus principais motores. Hoje, havendo uma consciência global do fenómeno, é maior a obrigação de o compreender e gerir de forma humanista, tanto mais que o agravamento das desigualdades acelerou e muito a pressão migratória. A eleição de António Vitorino como diretor-geral da OIM (Organização Internacional para as Migrações) é um sinal positivo para que isso aconteça.

Nas últimas semanas, o fenómeno das migrações voltou à tona do debate planetário, muito devido à crueldade da administração Trump nos Estados Unidos, designadamente ao separar jovens migrantes das suas famílias, e à crise política que ameaçou provocar na União Europeia.

A questão das migrações na União Europeia (UE) tem sido usada pelas forças populistas para fazer implodir os fundamentos humanistas e solidários da parceria. A perceção sobre o volume e o impacto global desses fluxos é voluntariamente exagerada, e as consequências positivas ignoradas.

O “acordo” obtido no último Conselho Europeu foi defensivo e insuficiente. É necessária uma visão diferente, transformar a forte ameaça numa oportunidade de mudança, aproveitando para desatar dois outros nós que asfixiam o avanço do projeto europeu: o quadro financeiro e a retoma do investimento na zona euro.

Uma distribuição equilibrada de migrantes pelos diferentes países da UE exige que eles sintam que encontram níveis convergentes de prosperidade e oportunidades, não apenas na Europa central, mas em todos os territórios da união. Neste contexto, não reduzir a aposta nas políticas de convergência, designadamente no fundo de coesão e na Política Agrícola Comum, é um sinal de bom senso que dará um forte contributo para uma gestão mais fácil dos fluxos migratórios.

Os índices de envelhecimento da estrutura etária da UE e o designado inverno demográfico que se aproxima são outras razões para que o acolhimento controlado, humanista e inteligente de migrantes possa ser uma oportunidade, mais do que uma ameaça, para o futuro económico e social da união.

O investimento na melhoria das condições estruturais das economias europeias facilitará a integração dos migrantes, criando numa primeira fase mais e melhores oportunidades para as populações já residentes e gerando, em função disso, condições para o aproveitamento do potencial que pode ser extraído de um choque demográfico positivo.

No Dia Mundial dos Refugiados, o Papa Francisco apelou a um pacto mundial sobre refugiados “que assegure, com responsabilidade e humanidade, assistência e proteção a quem é obrigado a deixar o próprio país”. Como noutros pactos globais, designadamente o acordo de Paris sobre as alterações climáticas, a UE pode e deve promover um pacto interno e um pacto global para as migrações. Há quem tema que as migrações possam matar a UE, e podem. Mas também podem salvá-la. A escolha é nossa.