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Opinião: Os povos têm razão?

Opinião: Os povos têm razão?

Cada vez mais autores relevantes colocam em causa a velha máxima de Churchill de que a “democracia é o pior de todos os regimes, com exceção de todos os outros”. Os factos também nos desafiam a ser cada vez mais exigentes com a democracia que temos, porque ela é um bem maior que precisamos de salvaguardar.

Os resultados dos referendos democráticos realizados em todo o mundo sobre temas de política geral têm proporcionado resultados surpreendentes e fraturantes das sociedades em que se realizam.

Exemplos do que antes afirmei foram o referendo sobre o Brexit, ganho pelos defensores da saída por menos de 2% de diferença, e o referendo sobre o acordo de paz na Colômbia, em que o não venceu por margem mínima.

Em ambos os casos, os analistas mais informados e os estudos disponíveis evidenciavam vantagens para as soluções que foram rejeitadas democraticamente pelos povos. Será então que os povos têm razão?

Em democracia, os povos têm sempre razão. É preciso compreender os motivos que levam à não coincidência entre aquilo que parece ser o interesse geral e as escolhas feitas democraticamente.

Existe hoje no mundo uma enorme fratura não apenas entre ricos e pobres, com a erosão das classes médias, mas também entre cidadãos realizados e cidadãos que viram frustradas as suas expetativas de realização.

A taxa de abstenção nos referendos mencionados foi de 62% na Colômbia e de 28% no Reino Unido. Haverá razões diversas para cada abstenção em concreto, mas uma avaliação global evidencia uma significativa taxa de desistência em eleições decididas por diferenças mínimas.

Os que votam são motivados por razões extremas. Ou se consideram parte do sistema dominante, que querem manter a todo o custo, ou estão contra o sistema e, portanto, dispostos a votar contra tudo o que dele provém, independentemente do seu mérito intrínseco.

A experiência tem vindo a mostrar que, nos referendos sobre questões de política geral, a pergunta conta pouco. O que se mede é a diferença entre os que estão a favor de quem propõe o sim e de quem propõe o não. Vale mais a circunstância do que a substância.

Neste contexto, estamos perante um desafio maior. Ou a democracia consegue voltar a ser inclusiva e motivadora da participação alargada e informada dos cidadãos ou arrisca-se a soçobrar perante o confronto de visões extremadas e, como tal, tendencialmente irrazoáveis.

À volta da democracia têm surgido recentemente debates e reflexões muito interessantes, designadamente aquelas que visam tirar partido das novas plataformas tecnológicas para incrementar a participação ativa dos cidadãos e desenvolvimentos muito preocupantes, de que saliento as tentações totalitárias associadas à visão da designada democracia iliberal.

No número 13 da Declaração de Princípios do Partido Socialista, em cuja equipa proponente tive a honra de participar há mais de uma década, diz-se que “é preciso ser-se radical na defesa da democracia, como sistema político fundado nos direitos humanos, na soberania popular, no primado da lei e na livre competição entre ideias e programas”. É isto. Temos de ser radicais na defesa da democracia para que a razão dos povos nos conduza a um mundo melhor.

(in Jornal I)