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Opinião: Guterres – um novo padrão para as relações globais

Opinião: Guterres – um novo padrão para as relações globais

Ao não encaixar nos perfis pré-definidos para o sucessor de Ban Ki- -moon, designadamente no princípio genérico de que o próximo secretário-geral da ONU deveria ser uma mulher e natural do Leste europeu, Guterres só tinha um caminho estreito mas estimulante para poder vencer: aproveitar o novo método de escolha do secretário-geral da ONU para colocar a decisão num patamar que implicasse uma nova visão e um novo padrão para as relações globais. Conseguiu.

Para isso criou um novo padrão de abordagem sistémica, credibilizado pela demonstração prática da sua capacidade enquanto alto-comissário para as Nações Unidas e em muitas atividades anteriores, de que destaco o processo que conduziu à autodeterminação de Timor-Leste.

Este padrão, que foi sendo desenvolvido ao longo do processo de audição, emergiu claro e transparente no seu discurso de aceitação proferido perante a Assembleia- -Geral da ONU em 13 de outubro.

Um discurso que valorizou a metodologia da escolha e realçou a dignidade da pessoa humana como um grande referencial de ação no qual se enquadra, entre outras, a prioridade central da promoção da igualdade de género.

Baseando a sua visão nos valores intrínsecos da Carta das Nações Unidas e no princípio de que o reconhecimento da diversidade é a mais forte base de unidade para garantir a paz e o desenvolvimento sustentável, Guterres valorizou a diplomacia e a responsabilização coletiva na procura do bem-estar da humanidade.

Como português e como cidadão do mundo, a confirmação de António Guterres pela Assembleia-Geral das Nações Unidas como próximo secretário-geral da organização deixou-me profundamente satisfeito.

Nesta satisfação há uma dimensão pessoal e emocional. Ao convidar- -me para integrar o seu primeiro secretariado quando, em 1992, foi eleito secretário-geral do PS, Guterres transformou o académico com gosto pela participação política que eu era no político com fortes laços à academia que procuro ser.

Nos dez anos seguintes pude trabalhar de perto com ele em diversas funções. Partilhámos bons e maus momentos. Confirmei em todos eles a sua superior dimensão humana, a sua enorme cultura, a sua portentosa memória e a sua extraordinária capacidade de compreender os fenómenos nas suas múltiplas e complexas dimensões.

Mas há sobretudo uma dimensão racional de cidadão do mundo na minha satisfação. Guterres foi eleito pelo brilhantismo e lucidez da sua visão, suplantando candidatos que tinham como principais argumentos a representação territorial, o equilíbrio geopolítico, a dimensão de género ou outras perspetivas setoriais.

Argumentos todos eles razoáveis e naturais, mas que fazem muito mais sentido se integrados numa visão global inovadora e fresca. Foi isso que Guterres apresentou. Foi esse o padrão que, como antes referimos, lhe permitiu vencer.

No passado, com a gesta das Descobertas, Portugal estabeleceu novos padrões de conhecimento e de mundovisão. Coube agora a um português a oportunidade de estabelecer um novo padrão de transparência e visão global para a liderança das Nações Unidas. Votos de sucesso.

(in Jornal I)